Ambulantes

Até mortadela pode ser comprada no metrô do Recife

Amanda Miranda
Amanda Miranda
Publicado em 18/02/2016 às 15:24
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Lucas trabalha como ambulante no metrô há quatro anos / Foto: Amanda Miranda/JC Trânsito

Lucas trabalha como ambulante no metrô há quatro anos Foto: Amanda Miranda/JC Trânsito

Dois quilos e meio de mortadela por R$ 5. Foi o produto escolhido pelo vendedor ambulante Lucas*, 22 anos, para negociar nos trens do metrô do Recife nos últimos dias. Era novidade até para passageiros que já viram caranguejo, sopa, desodorante e até conjuntos de faca disponíveis para comprar nos vagões. Apesar disso, a atividade é proibida por dois decretos, um municipal e um federal.

O próprio Lucas já vendeu outros produtos. Começou há quatro anos com os já tradicionais 'passatempos da viagem', pipoca e água. Já vendeu paçoca e já cantou no metrô, atualmente dominado por trabalhadores informais. "Agora eu vendo o que estiver em promoção, fica mais fácil conseguir vender desse jeito. Se fizer isso, consigo às vezes tirar (faturar) R$ 200 em um dia. Se me limitar à água, por exemplo, às vezes nem chega a R$ 50. Mas tenho que entender que é tudo uma caixinha de surpresas", explica. 

 

Ambulante vende até mortadela no metrô do Recife

Os passageiros do metrô hoje perceberam que havia mais um produto entre os que são vendidos pelos ambulantes dentro dos trens: mortadela. Isso mesmo, mortadela. Houve quem comentasse no vagão que faltava só o pão, mas, do jeito que a feira está por lá, provavelmente vai chegar alguém vendendo o francesinho - e, com a sopa que a gente mostrou naquele dia, o jantar vai estar completo.

Posted by JC Trânsito on Tuesday, 16 February 2016

 

Eram 15h e o ambulante já havia conseguido vender 40 caixas de mortadela nos vagões, cada uma com seis peças. Lucas trabalha em parceria com outro comerciante, que conheceu nos trens há um ano. O dinheiro para comprar a mercadoria e o lucro são divididos; metade para cada um. Os dois saem sempre juntos para ajudar a levar o produto, mas sempre no ramal Camaragibe da linha Centro. "Se você for para o de Jaboatão, não consegue vender um terço. Vender até uma pipoca lá é uma barra", diz.

Lucas trabalha todos os dias, geralmente das 6h às 17h e, com o dinheiro, consegue manter a própria casa. Ele mora sozinho no bairro do Ibura, na Zona Sul do Recife. 

À noite, cursa o terceiro ano do ensino médio. "Estou acabando, ainda bem", comemora o jovem que não pensa em fazer faculdade. "Quero abrir uma loja para mim. Aprendi aqui no metrô que não gosto de trabalhar para ninguém, vou abrir o meu próprio negócio." O companheiro de trabalho passa e diz que o ambulante está demitido por causa dos minutos em que conversou com a repórter do JC Trânsito. "Tá vendo? (sic) É por isso!", brinca.

FISCALIZAÇÃO - A ação de ambulantes é proibida pelo Decreto Federal nº 1.832, de 4 de março de 1996, e pelo Regulamento do Sistema de Transporte Público de Passageiros (STPP), através do Decreto nº 14.845, de 28 fevereiro de 1991. De acordo com a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), há ações semanais em parceria com a Polícia Militar e com a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano do Recife.

Art. 40. É vedada a negociação ou comercialização de produtos e serviços no interior dos trens, nas estações e instalações, exceto aqueles devidamente autorizados pela Administração Ferroviária.
Parágrafo único. É proibida também a prática de jogos de azar ou de atividades que venham a perturbar os usuários.Decreto Federal nº 1.832

Além disso, a operadora do metrô está buscando parcerias na gestão municipal para tentar apreender os produtos, o que não pode ser feito pela empresa. No entanto, a Companhia reconhece que as ações são insuficientes, entre outros motivos porque, ao perceberem a fiscalização, os ambulantes saem ou reagem, voltando depois. "Quando chega aí é pé no bucho e mão na cara", ironiza Lucas. Para a superintendência da CBTU, a presença de ambulantes no metrô deve passar a ser debatido como um problema social.

O assundo divide os passageiros. De um lado estão os que afirmam que os ambulantes estão apenas tentando sobreviver em cenário de crise. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o 9,1 milhões de pessoas procuraram e não conseguiram emprego no trimestre encerrado em outubro de 2015 e o ano passado fechou com taxa de desemprego de 6,8%, com taxa de informalidade em crescimento, alcançando 45,1% no terceiro trimestre de 2015. 

Há, no entanto, os usuários que discordam da presença dos ambulantes nos vagões. "Fica infernal, com muita gente gritando. Às vezes você quer relaxar ou com dor de cabeça e não consegue com essa perturbação e gritaria. Sei que é uma necessidade deles, mas vira uma zorra", opina o segurança Samuel Almeida, 45, morador de Camaragibe que estava no trem onde Lucas vendia mortadela.

De acordo com Adriana Figueiredo, chefe do setor de alimentos e produtos da Vigilância Sanitária do Recife, a mortadela é um produto que, quando ainda está com a embalagem fechada, geralmente não precisa de refrigeração, mas deve ser mantido em local seco e arejado. "A orientação (se vai comprar em supermercados ou outros lugares onde há refrigeração) é não comprar fatiada, porque você não sabe a procedência. Deve estar embalada com identificação e rotulagem, além da data de validade", explica. Porém, se forem outros alimentos como queijos e presunto, só devem ser comprados se estiverem acondicionados.

*O sobrenome do ambulante não foi divulgado a pedido dele.

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