Violência contra mulher

Há um mês, mais uma estudante da UFPE sofria um estupro; vítima conversa com o NE10

Lorena Barros
Lorena Barros
Publicado em 29/09/2015 às 8:38
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A vítima foi assaltada e levada para um terreno de propriedade da UFPE, no Engenho do Meio / Foto: Reprodução / Street View

A vítima foi assaltada e levada para um terreno de propriedade da UFPE, no Engenho do Meio Foto: Reprodução / Street View

A estudante Maria*, de 19 anos, saiu da sua cidade no Sudeste do País para fazer uma graduação na área de saúde na Universidade Federal de Pernambuco, no Recife, através do Sisu. Ela chegou à capital pernambucana em março deste ano, no começo do período letivo da universidade, sem nenhum parente na região, contando apenas com o suporte da família de uma amiga, que a acolheu na cidade, até então, desconhecida. Há exatamente um mês, cinco depois de chegar ao Recife, no último dia 29 de agosto, a estudante voltava de um compromisso quando desceu do ônibus na BR-101, no bairro do Engenho do Meio, Zona Oeste do Recife, próximo à Reitoria da UFPE, quando foi abordada por um homem que pediu todos os seus pertences e a levou para um terreno baldio onde fica a antena AM da universidade. No local, Maria foi estrangulada, desacordada e violentada sexualmente. 

As marcas do ataque foram divulgadas junto ao relato da jovem no Facebook

As marcas do ataque foram divulgadas junto ao relato da jovem no FacebookFoto: Reprodução / Facebook

Após o ocorrido, a jovem, que afirma ter optado pela UFPE por causa da qualidade do ensino na área que escolheu, trancou o curso e voltou para a sua cidade natal. Agora, ela pretende solicitar a transferência para fazer a graduação, que não será no mesmo curso. Onde mora, não tem o curso que estudava no Recife e as faculdades que dispõem dessa graduação ficam distante de onde mora e ela, traumatizada com o episódio violento, teme ir sozinha. "Na faculdade pública que tem aqui e onde poderia tentar transferência no mesmo curso, fica longe demais, eu não teria com quem ir todo dia (...) A outra opção é a USP, que também é um perigo, existe um lugar lá que se chama ‘local do estupro’", conta. "Eu não tenho condições de ir para uma faculdade dessas”, desabafou a jovem, em conversa com o Portal NE10

O caso de Maria ficou conhecido, principalmente, após a reprodução do seu relato através de amigos nas redes sociais: “Depois dessa minha atitude [de permitir o compartilhamento da história nas redes] o fato de que estupro na Federal era mito acabou de vez; as pessoas ficaram horrorizadas e estão tomando iniciativas para cobrarem da faculdade e do Estado medidas de segurança melhores. O que me motivou de início foi querer avisar para os alunos tomarem cuidado. Não quero que isso aconteça com mais ninguém, é horrível”, lembrou a estudante.

No dia em que foi assaltada e abusada, Maria ainda foi submetida a outra violência: a negligência na hora de prestar um Boletim de Ocorrência. Ao chegar à Central de Flagrantes, localizada no bairro de Campo Grande, Zona Oeste do Recife, já na madrugada do dia 30 (domingo), ela precisou esperar cerca de três horas para receber orientação.

“Cheguei na central à uma e pouco da manhã e fui receber informação do que deveria fazer quando já era 4h. Um moço me encaminhou até uma delegada pra saber o que fazer e ela simplesmente falou ‘Me desculpa, sei que você está desesperada e seu caso é grave, mas estamos cheios de ocorrências de assalto e não posso parar o processo que estou fazendo para te atender; estamos sem nenhum delegado livre’ (...)", contou. "Não tenho nem como classificar essa negligência, se uma delegada mulher falou isso pra mim, eu realmente não tenho nada a declarar;é um descaso absurdo”, disse. A delegada aconselhou a vítima que comparecesse à Delegacia da Mulher, localizada no bairro de Santo Amaro, na área central do Recife, na segunda-feira (31 de agosto). No local, a jovem afirma ter sido bem atendida.

Depois da repercussão do caso nas redes sociais, um grupo de estudantes da UFPE foi formado no Facebook para discutir o assunto dos estupros ocorridos na Cidade Universitária. Em pouco mais de quinze dias, quase mil membros já participavam do coletivo, que realiza reuniões para cobrar providências da universidade sobre os casos de violência sexual e insegurança sofrido pelos estudantes, e principalmente pelas mulheres. 

Agora longe do Recife, a estudante lembra que na UFPE há muito a ser melhorado, “principalmente a segurança e a iluminação”. Questionada sobre a reação das alunas ao ocorrido, Maria se mostrou otimista: “É um avanço em relação aos alunos. Antes o assunto era algo um pouco neglicenciado até mesmo por por eles”. Questionada sobre a reação da universidade ao fato, porém, ela demonstrou decepção: “Reclamei na faculdade sobre isso [o ataque sofrido], funcionários da cabine do reitor ficaram sabendo do caso, mas os alunos não foram avisados em momento algum”, o Portal NE10 tentou contato com a UFPE e aguarda um retorno sobre o assunto.

Segundo a estudante, as investigações em busca do criminoso estão sendo realizadas pela polícia, que deve analisar em breve imagens de câmeras de segurança das redondezas do local do ataque. 

A agressão fez com que a vítima sofresse um derramamento ocular

A agressão fez com que a vítima sofresse um derramamento ocularFoto: Reprodução / Facebook

Ao contrário de muitas mulheres que, por medo ou vergonha, escondem a violência sofrida, Maria expôs o ocorrido e ainda foi apontada por muitos como culpada pelo abuso sofrido: “Ouvi muito essa frase clichê e machista [Você não deveria estar sozinha], mas não sou obrigada a ter um guarda-costas por falta de educação dos homens ao meu redor”. Ao mesmo tempo em que frases como essa são emitidas, o apoio da família, de amigos, e até mesmo de desconhecidos, parece ajudar a estudante a conviver com o ocorrido e tentar seguir adiante.

As marcas corporais de Maria, que chegou a sofrer um derrame ocular por causa da agressão, podem se apagar, mas as lembranças do ocorrido - negligenciado por muitos e oprimido por tantos outros - podem jamais será esquecido: “Andei sozinha ontem, fui até a casa de uma amiga e, por todo homem que passava, eu ficava desconfiando. Não paro de olhar para todos os lados, fico desesperada”. 

CASOS DE VIOLÊNCIA NO ENTORNO DA UFPE - Os casos de estupro nos entornos da universidade não são novidade. No dia 19 de agosto, pouco mais de uma semana antes de Maria sofrer o ataque, um homem foi preso na Várzea, também na Zona Oeste, por ser suspeito de ter cometido no mínimo três crimes sexuais contra universitárias entre o mês de maio e agosto deste ano. Com a ajuda das câmeras de segurança de lojas da Avenida General Polidoro, o homem, identificado como Geraldo Vieira da Silva, 34, foi indiciado pelo crime de estupro e poderá pegar até 20 anos de prisão.

*Nome fictício para preservar a identidade da vítima

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