A mulher e a lei

Quando a violência doméstica é contra a filha menor de 14 anos

Por Gleide Ângelo
Por Gleide Ângelo
Publicado em 08/01/2018 às 6:12
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Segundo Gleide Ângelo, esse tipo de violência é praticado, geralmente, pelo pai, padrasto, parentes e vizinhos / Foto: Heudes Régis/ JC Imagem

Segundo Gleide Ângelo, esse tipo de violência é praticado, geralmente, pelo pai, padrasto, parentes e vizinhos Foto: Heudes Régis/ JC Imagem

No artigo de hoje falarei sobre casos que ocorrem com frequência, a violência contra a filha menor. Geralmente esse tipo de violência é praticado pelo pai, padrasto, parentes e vizinhos, e a violência mais comum é a sexual. Recebo muitas mensagens de mulheres desesperadas pedindo ajuda sobre como proceder diante de tal situação, pois elas têm dúvidas sobre a veracidade do que a filha está dizendo. Entre diversas mensagens, uma me chamou mais atenção, a de Salete (nome fictício) que viu sua filha Letícia (nome de fictício) de 13 anos sofrer diversos estupros pelo seu companheiro João (nome fictício).

QUANDO MINHA FILHA ME CONTOU QUE ESTAVA SENDO ABUSADA PELO MEU COMPANHEIRO, SIMPLESMENTE NÃO ACREDITEI.

Infelizmente isso ocorre com frequência nos casos de violência sexual sofrida pela filha, muitas mães não querem acreditar. Algumas por confiar demais no companheiro e achar que a filha está fantasiando. Outras, por medo de perder o companheiro, preferem "fazer de conta" que não está acontecendo nada de errado. E culpam as filhas por estarem mentindo. Isso ocorreu no caso de Salete que narrou uma história de muita dor com um fim trágico, "Conheci João quando minha filha Letícia tinha oito anos de idade, e ele sempre foi como um pai para ela. Convivemos bem e nunca observei nenhum comportamento diferente de João em relação a minha filha. Quando ela completou 12 anos, observei que ela mudou, ficou mais calada, triste, Mas, como ela estava entrando na fase da adolescência, achei que era normal."

Na mensagem, Salete disse que sempre foi muito próxima da filha e conversavam muito, até o dia em que Letícia lhe contou que estava sendo abusada por João. Ela escreveu, "meu mundo desabou, fiquei sem saber o que fazer, bateu um desespero e chorei muito. Mas, quando parei para pensar, vi que nunca houve nada que me fizesse acreditar que Letícia estava falando a verdade. João era como um pai para minha filha, um bom marido. Então comecei a questionar Letícia. Ela estava com 13 anos e chorava muito, não queria mais ir para a escola e ficava trancada no quarto."

Sem querer acreditar na filha, Salete relembra, "o meu grande erro foi o de nunca ter questionado João. Eu simplesmente fiz de conta que não estava acontecendo nada, e ficava duvidando da minha filha. Não levei ela a um médico para fazer exames, não fiz nada. Acho que no fundo eu tinha medo de descobrir a verdade. Tinha medo de perder o meu companheiro. Fiquei apenas observando o comportamento de João, que era de um bom pai."

Letícia entrou em depressão, engravidou e se suicidou

Cerca de seis meses depois de contar os abusos para a mãe, Letícia entrou em depressão e não quis mais sair do quarto. Salete não procurou ajuda médica para filha e sempre acreditou que Letícia estava entrando na fase da adolescência e queria chamar a atenção. "Hoje tenho consciência, como cometi erros com a minha filha. Deveria ter procurado um psicólogo, um ginecologista, e não fiz nada disso. Não tinha como acreditar nela, era impossível João fazer tudo o que ela me disse. As vezes ele perguntava o que estava acontecendo com ela, e eu respondia que eram coisas de adolescente. Minha filha já não queria mais comer e viver. Mas eu tinha certeza que era uma fase e iria passar."

Salete trabalhava fazendo quentinhas e entregando na localidade. Todos os dias ela acordava cedo, fazia a comida, colocava nas quentinhas e ia fazer as entregas. João trabalhava como marceneiro e não tinha horário fixo para trabalhar. Quando Salete saia, ele cometia os abusos contra Letícia. Como todos os dias, Salete saiu para levar as quentinhas e quando retornou para casa, o quarto de Letícia estava trancado por dentro. Ela chamou por Letícia, que não abriu a porta.

Salete relembra do dia trágico, "continuei fazendo as coisas em casa e nada de Letícia abrir a porta do quarto. Bati diversas vezes, e nada. No final da tarde, por volta das 17h eu bati e disse a Letícia que se ela não abrisse, eu mandaria João arrombar a porta. Ele estava em casa e conseguiu forçar a porta e abrir. Quando ele abriu, vi a cena que nenhuma mãe merece ver, minha filha desacordada em cima da cama, com diversos remédios no chão. Eu não quis acreditar que ela estava morta, comecei a gritar por socorro, os vizinhos chegaram correndo, João estava paralisado sem fazer nada. Quando os vizinhos pegaram Letícia, escutei quando um disse, não adianta, ela está morta, se suicidou."

A vida de Salete acabou ali, ela olhou para João e finalmente o enxergou, "quando olhei para ele, naquele momento enxerguei tudo o que minha filha falou, ela estava falando a verdade. Não sabia o que fazer, só fazia gritar chamando João de assassino. Os vizinhos não entenderem porque eu estava acusando João, e eu dizia, ele matou a minha filha. Os policiais chegaram e fomos para a delegacia. Lá eu contei tudo o que minha filha falou sobre os abusos. Fui informada que iriam fazer os exames em Letícia e se fosse comprovado o estupro, João seria responsabilizado e preso. Coloquei ele para fora de casa enquanto era feita a investigação, e João negava toda a acusação."

Os exames no corpo de Letícia foram feitos, e para a surpresa de todos, além de confirmar os estupros, identificou que Letícia estava grávida de João. E Salete encerrou, "até hoje me sinto culpada pela morte da minha filha. Ela me pediu socorro e eu neguei. Fui acreditar em um monstro, estuprador que me enganou por cinco anos. Depois da morte da minha filha, eu achava que também não merecia mais viver. Fiz muito tratamento psicológico e psiquiátrico para não tirar a minha vida e conseguir conviver com essa culpa. Só estou divulgando essa história para que as mães escutem e acreditem em suas filhas. Elas são inocentes e inofensivas e precisam da nossa proteção. Não faça como eu fiz, não deixe sua filha morrer."

Entre tantas histórias tristes e pesadas que recebo, essa foi uma que me deixou bastante impressionada pelo fim trágico e irreversível. Tudo ocasionado por uma falsa expectativa de amor que fez com que Salete não enxergasse a realidade. João foi indiciado por estupro de vulnerável e está preso, foi condenado a oito anos de prisão. Salete está sem o companheiro, sem a filha e sendo acompanhada por uma equipe psicossocial e tendo o apoio dos familiares. A história de Salete é um alerta para as mulheres que têm filhas adolescentes que lhes confidenciam o abuso.

Amiga, se você tem filha adolescente, preste atenção. Muitas jovens quando estão sendo abusadas modificam o comportamento. Elas não querem mais sair de casa, ir à escola, se isolam. Converse com sua filha, chegue mais perto. Se sua filha lhe confidenciar que está sofrendo abuso pelo pai, padrasto, irmão, parente, vizinhos, não julgue e questione o que ela está dizendo. Você precisa ter a confiança dela. Leve sua filha a profissionais que possam lhe ajudar. O médico ginecologista, a equipe psicossocial podem ajudar fazendo exames e escutando sua filha. Por mais que você esteja envolvida emocionalmente com o seu companheiro, não fique cega para as denúncias de sua filha. Nos Centros de Referência da Mulher existe equipe psicossocial. Vá lá, se aconselhe com os profissionais para saber como ajudar sua filha. Não faça como Salete, que não quis ouvir a filha, e hoje vive com a culpa de não ter evitado a morte de Letícia. Faça diferente, enfrente a verdade e proteja a sua filha!

VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHA!

EM QUAIS ÓRGÃOS BUSCAR AJUDA - VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:

» Centro de Referência Clarice Lispector – (81) 3355.3008/ 3009/ 3010
» Centro de Referência da Mulher Maristela Just - (81) 3468-2485
» Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon - 0800.281.2008
» Centro de Referência Maria Purcina Siqueira Souto de Atendimento à Mulher – (81) 3524.9107
» Central de atendimento Cidadã pernambucana 0800.281.8187
» Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal - 180
» Polícia - 190 (se a violência estiver ocorrendo) - 190 MULHER

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