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Brasil integra projeto de telescópio que fará levantamento dinâmico do céu

Rafael Paranhos da Silva
Rafael Paranhos da Silva
Publicado em 11/01/2016 às 22:57
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O projeto de US$ 1 bilhão que tem objetivo produzir o primeiro “filme” do Universo, terá participação brasileira / Foto: Divulgação

O projeto de US$ 1 bilhão que tem objetivo produzir o primeiro “filme” do Universo, terá participação brasileira Foto: Divulgação

A olho nu, o Universo parece um tanto estático, com as estrelas ocupando as mesmas posições toda noite, a Lua e os planetas percorrendo trajetórias conhecidas. Na verdade, porém, é um ambiente dinâmico, em constante movimento e transformação, com astros nascendo enquanto outros morrem em gigantescas explosões conhecidas como supernovas, num espaço que se expande de forma acelerada devido à força da misteriosa energia escura.

Para se perceber e estudar isso, no entanto, é preciso não só enxergar bem e longe como fazer observações frequentes da mesma região do céu. Por isso, a Fundação Nacional de Ciência dos EUA (NSF, na sigla em inglês), em parceria com o Departamento de Energia e diversas instituições privadas daquele país, está construindo no topo de uma montanha no Chile o Grande Telescópio de Levantamento Sinóptico (LSST, também na sigla em inglês). O projeto de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 4 bilhões), que tem por objetivo produzir o primeiro “filme” do Universo, terá participação brasileira. Por meio de acordo firmado recentemente pelo Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (Linea), esta instituição vai ajudar na transmissão, processamento, armazenamento, catalogação e análise da enorme quantidade de dados que o LSST vai gerar.

Os números em torno do telescópio são astronômicos. Projetado num conceito que tem como mote ser “amplo, rápido e profundo”, o equipamento contará com um espelho principal de 8,4 metros de diâmetro, secundário de 3,4 metros e terciário de 5 metros montados em uma configuração que permitirá que recolha luz suficiente para ver objetos de brilho tênue em um vasto campo de visão, de cerca de 10 graus quadrados, o equivalente a mais de 40 vezes a área ocupada no céu pela Lua cheia. Acoplada a esta estrutura estará ainda a maior e uma das mais sensíveis câmeras digitais já produzidas. Com um detector de 3,2 bilhões de pixels, ela terá um conjunto de seis filtros para produzir imagens coloridas numa faixa do espectro que vai desde o infravermelho próximo ao ultravioleta com exposições relativamente curtas, de apenas 15 segundos.

INSTRUMENTO COM PODERES INÉDITOS - Estas capacidades farão do LSST um instrumento com poderes inéditos na História dos grandes levantamentos astronômicos. O telescópio vai realizar uma varredura completa do céu do Hemisfério Sul nas suas seis bandas do espectro em pouco mais de três noites. Este curto intervalo de tempo para revisitar a mesma região do espaço permitirá a rápida detecção de pequenas mudanças para identificar fenômenos tão díspares como um pequeno asteroide passando pela vizinhança da Terra ou a explosão de uma estrela em uma supernova numa galáxia distante.

Tudo isso, no entanto, vai exigir enorme capacidade de transmissão, armazenamento e processamento de dados. A cada noite, o LSST produzirá mais de 30 terabytes de informações, ou o equivalente a 600 filmes em alta definição, emitindo 5 milhões a 10 milhões de alertas automáticos de variações em parâmetros como o brilho e a posição de objetos celestes. O dilúvio de dados pode orientar estudos mais aprofundados com outros telescópios em solo ou no espaço. Segundo Luiz Nicolaci, coordenador do Linea, ao fim do levantamento inicial, previsto para durar dez anos, entre 2022 e 2032, o projeto terá gerado 15 petabytes (cerca de 15 mil terabytes) de dados e 0,5 exabytes (500 mil terabytes) de imagens sobre quase 40 bilhões de objetos.

"O LSST representará uma nova forma de fazer pesquisas astronômicas, já que pela primeira vez teremos informações temporais do Universo dinâmico rapidamente acessíveis, numa mudança de paradigma da astronomia estática, em que se pede tempo de telescópios para observar objetos ou grupos de objetos uma ou poucas vezes", destaca Nicolaci. "Seus números são astronômicos em todos os sentidos, e o maior desafio é saber como lidar com o gigantesco volume de dados. É preciso muita preparação. Não há ainda, por exemplo, um software capaz de fazer a mineração dessa quantidade de informações e o grande número de processos que demandará a geração de seus 64 produtos com algoritmos, parâmetros e configurações diferentes para emitir seus alertas".

EXPERIÊNCIA PRÉVIA EM LEVANTAMENTOS - Para Nicolaci, no entanto, a experiência do Linea em outros levantamentos do tipo vai ajudar muito no trabalho. Ele conta que, desde 2007, o laboratório participa do DES (sigla em inglês para “levantamento da energia escura”), que, a partir de 2013, iniciou observações com objetivos semelhantes aos do LSST, mas com telescópio, câmera e escopo bem menores. Em 2008, o laboratório se juntou ao Levantamento Digital do Céu Sloan (SDSS), projeto iniciado em 2000 e, hoje, em sua quarta fase de observações para mapear e fazer medições precisas de propriedades de milhões de estrelas na nossa Via Láctea e de galáxias até o limite do Universo observável.

"O DES pode ser visto como um precursor do LSST não só do ponto de vista técnico como científico", diz o coordenador do Linea, que é uma colaboração entre o Observatório Nacional, o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) e a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), institutos ligados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). "É um privilégio. Esses projetos são uma excelente maneira de formar novas gerações de pesquisadores e estimular o desenvolvimento tecnológico no país, em especial na área de softwares".

Nicolaci lembra que sua própria carreira foi marcada pela participação em grandes levantamentos astronômicos. Nos anos 1980, fez parte do grupo liderado por pesquisadores do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian (CfA), nos EUA, que identificou a primeira grande estrutura do Universo. Conhecida como Grande Muralha, estende-se por ao menos 500 milhões de anos-luz de comprimento, 200 milhões de anos-luz de largura e 16 milhões de anos-luz de espessura entre 300 milhões e 550 milhões de anos-luz de distância de nosso planeta.

IMPULSO PARA NOVOS PESQUISADORES - Agora, o astrônomo espera que a participação no DES e no LSST permita aos cientistas brasileiros integrar os grupos que podem vir a desvendar o intrigante mistério da energia escura.

Revelada em 1998 por dois grupos de astrônomos trabalhando de forma independente, a energia escura estaria acelerando a velocidade de expansão do Universo. Este achado, que rendeu o Prêmio Nobel de Física de 2011 ao trio Saul Perlmutter, Brian Schmidt e Adam Riess, líderes das equipes, obrigou os cosmólogos as rever suas teorias sobre origem, constituição e futuro de nosso Universo.

"Não entendemos bem o que pode ser esta energia escura, mas, o que quer que seja, é algo fundamental da natureza do nosso Universo", considera Nicolaci. "O impacto de uma descoberta assim é tamanho que o Brasil não pode deixar de participar desse esforço, e a única forma de ter pistas sobre o que ela são observações como as que o LSST vai fazer".

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