Epidemia

OMS declara fim de emergência global por vírus da zika

Rafael Paranhos da Silva
Rafael Paranhos da Silva
Publicado em 18/11/2016 às 18:59
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A OMS garante que um departamento dentro da instituição passará a buscar soluções para enfrentar o vírus / Foto: AFP

A OMS garante que um departamento dentro da instituição passará a buscar soluções para enfrentar o vírus Foto: AFP

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou há pouco o fim da emergência global por conta do vírus da zika, pegando de surpresa pesquisadores e gerando duras críticas por parte de cientistas. A entidade alerta que, a partir de agora, a doença será crônica no Brasil e que governos terão de tomar medidas de longo prazo. Nesta sexta-feira (18), o governo brasileiro anunciou que a emergência nacional seria mantida.

A OMS garante que um departamento dentro da instituição passará a buscar soluções para enfrentar o vírus e que "não está rebaixando" a doença. No entanto, especialistas da própria entidade temem que o fim da emergência significará sérios desafios para que cientistas possam obter recursos para manter as pesquisas e a produção de uma vacina. A decisão foi tomada depois de uma reunião realizada hoje em Genebra entre os principais especialistas sobre o assunto, além dos governos de Brasil, EUA, Tailândia e de regiões africanas, europeias e asiáticas.

A OMS considerou que, como estava provada a relação entre o vírus e a microcefalia, ela precisava agora de um "mecanismo robusto de longo prazo para administrar a resposta global". Para a entidade, o zika "continua sendo um desafio significativo e duradouro de saúde pública e que exige ação intensa, mas não é mais uma emergência". Por isso, a entidade decidiu "escalar" a doença a um "programa permanente".

A decisão foi alvo de duras críticas por parte dos cientistas que buscam uma solução para a doença. "Será que veremos uma nova onda de casos no Brasil e Colômbia?" questionou Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Contagiosas. Sua entidade é uma das que tenta arrecadar recursos para bancar uma vacina. Para ele, o fim da emergência é "prematuro", principalmente por que o verão no Brasil está prestes a começar. "Por que não esperaram alguns meses?", criticou.

Tentando justificar sua decisão, David Heymann, presidente do Comitê de Emergência, considera que agora o vírus da zika é um problema "de longo prazo". Foi a partir de sua gestão que, em 1º de fevereiro, a OMS declarou a emergência global.

"Uma emergência global tem uma conotação específica", disse. "Ela é declarada quando se precisa de uma ação urgente e que o problema terá de ser solucionado", insistiu. "A preocupação inicial era a microcefalia. Portanto, a emergência foi declarada para entender se havia uma ligação entre o zika e o fenômeno", disse.

Outra razão para a declaração de emergência, segundo ele, foi a Olimpíada no Rio. "Precisávamos fazer recomendações para quem fosse aos Jogos", explicou.

"A emergência não era para parar o vírus. Mas para entendê-lo. Agora, já está claro que a microcefalia está ligada ao zika. O objetivo foi atingido e agora precisamos passar para uma estratégia de longo prazo", disse. "Não se trata de um rebaixamento. Mas de uma resposta mais robusta dentro da OMS", insistiu.

Endêmico

Questionado pelo Estado sobre a decisão do governo brasileiro de manter a emergência, Heymann indicou que a considerava como "apropriada". "O Brasil ainda precisa de mais recursos e mais pesquisas. Trata-se agora de um caso endêmico no Brasil e surtos novos podem continuar", disse.

Segundo o especialista, a possibilidade é de que os novos surtos não terão a mesma dimensão aos de 2015 e 2016, já que uma parte da população agora já foi imunizada por ter sido contaminada. "Mas agora é endêmico e ocorrerão surtos periódicos, como dengue", disse. "É apropriado que o Brasil continue a considerar como uma emergência. Mas emergência global tem uma conotação diferente. É para unir o mundo para trabalhar. Não impede um país de manter a emergência", afirmou Heymann.

Segundo ele, o País também indicou na reunião de hoje que vai manter as pesquisas. Mas que, por enquanto, não existe um co-fator envolvido no surto no Nordeste. "Existem estudos de longo prazo no Brasil. Mas não identificaram ainda nenhum co-fator envolvido", disse.

Recursos

A emergência internacional foi primeiro anunciada em fevereiro de 2016, quatro meses depois de o governo brasileiro notificar a OMS sobre a crise. Até agora, porém, muitas das questões relacionadas ao novo vírus não foram respondidas. Os cientistas, por exemplo, continuam sem uma explicação sobre o motivo pelo qual o Brasil registrou um salto no número de microcefalia, enquanto outros locais essa tendência não foi registrada.

Tampouco há um cronograma claro para quando uma vacina poderia chegar ao mercado. Fontes dentro da OMS admitem que o produto não estará pronto antes de 2018 ou 2019.

Não por acaso, o temor de muito é de que o fim da emergência global signifique o fim da mobilização e, portanto, o fim de recursos. A OMS havia solicitado a doadores internacionais cerca de US$ 115 milhões para pesquisas em um ano. Mas recebeu apenas uma fração disso. Há cerca de um mês, a entidade detalhou o programa e, para o ano de 2016, disse que havia recebido cerca de US$ 25 milhões.

Heymann admite que o fechamento de torneiras é "preocupante". Mas espera que isso seja compensado pela transformação da emergência em um programa dentro da OMS. "O zika vai ser sazonal O público terá de entender como foi com a rubéola, tomando medidas. É algo difícil e vamos esperar a vacina", disse.

Fontes na entidade ouvida pelo Estado consideram que, a partir de agora, quem quiser trabalhar com o zika vai ter de disputar recursos com todas as demais doenças crônicas e ser tratado no mesmo patamar da dengue, que pena há décadas para mobilizar a comunidade internacional.

"O zika entra na mesma categoria agora da dengue", afirmou Peter Salama, diretor-executivo dos programas de emergência da OMS. Ele, porém, insiste que casos de microcefalia já foram identificados em 29 países e que o vírus vai continuar a se espalhar geograficamente. "Todos os países com mosquito vetor da doença estão a risco", disse. A decisão de acabar com a emergência global também foi tomada depois que o auge de uma eventual contaminação acabou nos EUA e na Europa.

Para Salama, o zika "está aqui para ficar". "Trata-se de uma questão de longo prazo e que exigirá uma adaptação de sistemas de saúde, de pesquisa e até mesmo de direitos reprodutivos", indicou. "O mundo terá de agir. Esperamos que os doadores entendam", afirmou.

Segundo ele, os casos vão continuar a se espalhar pelo mundo, onde haja o mosquito, e acredita que os 2,3 mil casos de microcefalia identificados até agora são apenas uma parte da história. "Há muito que precisa ser feito", admitiu.

A OMS ainda quer que governos abandonem apenas os testes de microcefalia como evidência de um impacto do vírus da zika. A entidade sugere que se leve em conta

critérios como perda de visão, audição, comprometimento e deficiência de membros para avaliar se um recém-nascido foi afetado.

Há poucos meses, a OMS passou a adotar uma nova definição e considerando a nova doença como Síndrome Congênita do Zika. Isso porque evidências científicas apontaram que mesmo crianças com um tamanho de crânio dentro dos parâmetros "normais" podem ser afetados pelo vírus. (Jamil Chade, correspondente)

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