Prazer

Existe, sim, vida sexual após o parto

Isabelle Figueirôa
Isabelle Figueirôa
Publicado em 25/07/2014 às 11:35
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O casal deve ter muita cumplicidade e manter um diálogo franco, sem cobranças / Fotos: divulgação

O casal deve ter muita cumplicidade e manter um diálogo franco, sem cobranças Fotos: divulgação

Fazer sexo após o parto é quase como se fosse a primeira vez para a maioria das mulheres. De fato, é a primeira vez após ela ter passado por uma avalanche de transformações hormonais e emocionais. Retomar a vida sexual depois que o bebê nasce é mais um desafio para os novos pais. A educadora sexual e editora do blog parceiro Erosdita, Julieta Jacob, e a ginecologista e terapeuta sexual, Rebecca Spinelli, respondem a oito perguntas sobre o tema.

1. SENTIR DOR NAS PRIMEIRAS RELAÇÕES É COMUM?

A dor na relação (dispareunia, ou algopareunia) é bastante comum no pós parto, pois a puérpera (nome dado à mulher que se encontra no período que vai do 1º ao 42º dia após o parto) está com o nível de prolactina (hormônio responsável pela produção do leite) muito elevado. Esse hormônio, além de ter importância na lactação, tem a função de "garantir que a mãe vai cuidar de seu filho", não engravidando logo em seguida: ele baixa (muito) a libido, inibe a ovulação (impossibilitando a gestação – mas atenção: apenas para aquelas mamães em aleitamento exclusivo, e por um período de tempo específico!) e deixa a vagina hostil, ressecada (o que dificulta a penetração). Essa questão vaginal pode ser "driblada" com o uso de cremes específicos (pergunte ao seu ginecologista!).

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2. O DESEJO SEXUAL TEM RELAÇÃO COM O TIPO DE PARTO?

Diria que sim e não! Sabemos que o maior órgão sexual feminino é o cérebro. Após uma cesárea, geralmente a retomada da atividade sexual não traz transtornos emocionais ao casal, visto que dissociam vagina e útero. Porém em alguns casos, quando o casal não se esclarece de forma integral sobre o que vai acontecer, pode não ser tão simples e fácil retomar a relação sexual após um parto vaginal. Geralmente isto ocorre porque:

a) A mulher fica com medo de sentir dor, já que “por ali passou um bebê” e ela sente-se "mexida", principalmente nos casos (ainda bem que cada vez mais raros) em que se faz necessária a realização da episiotomia (corte dado durante o período de expulsão do bebê, para ampliar o canal de parto).

b) A mulher não tem segurança de que “tudo voltou pro lugar” e que “não está folgada” – muitas vezes a mulher esquece que a musculatura do assoalho pélvico (conjunto de músculos com vários formatos, sentidos e direções de força) é muito potente e que, com exercícios (chamados Exercícios de Kejel, ou Pompoarismo), fica forte e funcionante como sempre fora). Aliás, vale aproveitar a oportunidade para afirmar que todas as mulheres deveriam saber como e quando trabalhar sua musculatura pélvica – converse com seu ginecologista!

c) O homem fica, em alguns casos, inseguro e confuso sobre a vulva e a vagina, após um parto normal (principalmente quando assistem a saída do bebê). Alguns relatam que ficam lembrando da cena em que viram a cabeça de seu filho abaulando a vulva de suas parceiras e sentem como se estivessem maculando um local ‘sagrado’, que trouxe seu filho à luz. De fato, não tem nenhuma necessidade de misturar os assuntos: a vulva e a vagina, que trouxeram um bebê à vida, continuam sendo órgãos sexuais, desejosos e capazes de sentir prazer.

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3. HÁ ALGUM PROBLEMA EM FAZER SEXO ANAL NESTA FASE?

O prazer, tabu e medo que envolvem o sexo anal não têm nenhuma relação com o período pós parto: esta modalidade de sexo pode ser praticada da mesma forma que sempre o foi antes da gestação.

4. O SEXO NO PÓS PARTO PODE MUDAR E SER MENOS PRAZEROSO?

Antigamente, quando a episiotomia era regra (infelizmente alguns obstetras ainda se valem desta importante ferramenta, sem qualquer critério), fazia-se muita “mutilação vaginal”, dos pontos de vista funcional e estético do órgão, pois os cortes eram enormes e acometiam muito tecido muscular, que muitas vezes não era reparado a contento. Hoje, pode-se dizer que há fios de melhor qualidade e mais cuidado e critério durante a correção de possíveis lacerações (cortes que acontecem pelo esforço no tecido, durante a passagem do bebê) no trajeto do parto. Dessa forma, funcionalmente e organicamente falando, não há razão de o sexo deixar de ser prazeroso no pós parto.

No entanto, podem ocorrer fatores não orgânicos, os emocionais: há mulheres que se sentem cansadas, ansiosas, 100% maternais e (creia) algumas vezes até culpadas por manter relações sexuais após ser mãe. Esse último aspecto é herança da nossa cultura judaico-cristã, que estabeleceu uma visão negativa acerca do sexo, autorizado apenas para fins reprodutivos, o que afastava o prazer de sua prática.

Muitas vezes, a nova mãe não prioriza o sexo e tem preguiça de transarJulieta Jacob

Muitas vezes, a nova mãe não prioriza o sexo e tem preguiça de transar, por achar que está “desperdiçando tempo em que poderia estar dormindo”.

Para mudar esse quadro, o casal deve ter muita cumplicidade e manter um diálogo franco, sem cobranças e com muita sinceridade, pois o processo de boicote ao sexo pode ser de fácil resolução, uma vez identificado e compreendido pela mulher. Ela pode voltar a encarar o sexo como um momento de entrega, prazer, compartilhamento e relaxamento, retomando a visão que possuía antes da maternidade.

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5. COMO CONCILIAR O FATO DE O SEIO SER FONTE DE ALIMENTO PARA O FILHO E, AO MESMO TEMPO, DE PRAZER PARA O MARIDO?

Existem alguns pontos que devem ser considerados, quando se fala de sexo e amamentação. Durante a primeira fase do pós parto, em que os seios estão repletos, o orgasmo pode estimular a saída do leite, visto que a ocitocina liberada no orgasmo é o mesmo hormônio que faz com que o leite saia para alimentar o bebê. Isto pode ser um tanto constrangedor, ou uma grande brincadeira, a depender do grau de intimidade que o casal tenha e de naturalidade que atribua a situações corriqueiras como essa.

Outro ponto é que a sensibilidade e o erotismo que a mulher atribuía às mamas, cai um pouco (ou um tanto), visto que fica confuso excitar-se com o estímulo mamilar em uma fase em que seu filho suga os seios a cada 3 horas. Além da diminuição da sensibilidade e do erotismo por parte da mulher, há uma facilidade enorme de sair leite dos seios, caso o parceiro sugue os mamilos, no ato sexual. Por isso, muitos casais optam instintivamente por não investir no estímulo das mamas durante o sexo, enquanto houver amamentação. Pode ser, inclusive, uma oportunidade para descobrir novas zonas erógenas no corpo da parceira. Mas não há problema algum em estimular mamas e mamilos, se assim o casal preferir. Os seios, bem como a vagina, apenas adquiriram uma função a mais do que as que possuíam antes da gestação e do parto – a de canal e de alimentação, respectivamente.

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6. O QUE FAZER QUANDO O SEXO É INTERROMPIDO PELO CHORO DO BEBÊ?

Não há fórmula mágica, regra ou padrão de comportamento sobre este aspecto! Nos casais mais tranquilos, ou naqueles momentos em que a relação já estava “chegando nos finalmentes”, pode-se muito bem terminar a relação e, em seguida, acolher o bebê.

Infelizmente é comum que o sentimento de culpa ou a desconcentração por causa do choro tirem o foco do casal (ou de apenas um dos parceiros) do ato sexual. Se isso ocorre, não há sentido em manter o sexo unilateral: enquanto um transa e se diverte, o outro tenta mentalmente identificar se é choro de fome, de dengo ou de fralda suja. Nesse caso, pode-se dar uma paradinha, acolher o bebê (principalmente no início do trinômio pai- mãe- filho, ou seja, logo após o parto) e retomar o sexo com a cabeça mais tranquila depois, o que é fundamental para uma relação de qualidade, pois a tensão atrapalha o prazer.

Rebecca Spinelli e Julieta Jacob responderam às perguntas sobre sexo no pós-parto

Rebecca Spinelli e Julieta Jacob responderam às perguntas sobre sexo no pós-partoFoto: acervo pessoal

O ponto-chave para que isso ocorra com tranquilidade é o grau de cumplicidade do casal. Muitas vezes é preciso respirar fundo e ter um pouco de paciência, o que não significa que a vida sexual será necessariamente prejudicada. De fato, ela sofrerá algumas mudanças, e o casal pode optar por se adaptar a elas da melhor forma possível, sem fazer disso uma crise conjugal. O choro do bebê pode ser um grande problema ou uma engraçada brincadeira, a depender de como o casal encare o fato.

Vale a pena lembrar que bebê chora por não saber falar, por ainda não enxergar bem (quando está muito novinho) e porque quer companhia. Mas faz parte da formação da autonomia da futura criança, ensiná-la a ficar sozinha e a sentir a segurança de que seus pais não a abandonaram.

7. MUITOS RECÉM-NASCIDOS DORMEM NO QUARTO DOS PAIS. EXISTE ALGUMA FORMA DE ISSO NÃO INTERFERIR NO SEXO?

Não. Não há como a presença de um bebê não atrapalhar o sexo!  Nenhum casal tem a mesma dedicação, entrega e liberdade de transar sozinhos entre quatro paredes, quando estão com um bebê ali juntinho, “olhando” pra eles, e que pode acordar e chorar a qualquer momento. O casal se policia para fazer um sexo mudo e quase sem movimentos, muitas vezes debaixo dos lençois, para que o filho não perceba o que está acontecendo, e tudo isso pode acabar trazendo à tona (de forma inconsciente) culpa e remorso pelo ato sexual. Por isso, cada um deve ficar no seu quarto e prezar, desde cedo, por sua individualidade e privacidade, para que corpo e mente administrem de forma adequada a vida – e o sexo – no pós o parto.

Vale também salientar que não é saudável para o desenvolvimento da criança que ela veja os pais transando. É claro que um recém-nascido ainda não entende o que está se passando, mas à medida que crescem, os bebês podem associar os sons emitidos pelos pais durante a transa a situações de violência e sofrimento. Isso porque os gemidos de prazer em muito se assemelham a gemidos de dor, e a criança não sabe diferenciar uma coisa da outra. Daí a importância de a criança ter o seu próprio quarto e, quando não for possível, os pais devem ter o cuidado de fazer sexo em outro local ou quando o bebê não estiver presente.

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8. O DESEJO TAMBÉM PODE DIMINUIR NO HOMEM OU SÓ ACONTECE COM A MULHER?

Tanto o homem quanto a mulher (dadas as devidas proporções) podem ter o desejo um tanto diminuído após o parto. O cérebro é o principal órgão sexual dos dois e ambos vivenciam uma nova fase, com descobertas a cada dia, com situações inimagináveis e prioridades totalmente diferentes de antes da gestação propriamente dita. Há estudos que demonstram a elevação da prolactina (aquele hormônio, responsável pela produção de leite) em homens, tal o grau de envolvimento no processo que eles ficam! Mas a “vantagem” da maioria deles sobre as mulheres na retomada do desejo está muito ligada ao principal fator castrador ou impulsionador da sexualidade humana: a nossa cultura sexual!

Sendo ela, via de regra, construída sob o ponto de vista masculino, o homem cresce aprendendo (em casa, na escola e na vida) a gostar de sexo e a priorizá-lo, independentemente de estar cansado ou preocupado. Esse fato facilita muito para o homem a retomada do sexo no pós-parto, mesmo quando o desejo está diminuído pois, em sua maioria, eles veem o sexo como algo positivo e relaxante, ao contrário de muitas mulheres, que ainda associam o sexo a culpa e tendem a deixá-lo para segundo plano. Esse padrão de comportamento feminino pode ser modificado por meio de uma  educação sexual eficiente, já que ele nada tem a ver com a biologia ou a genética da mulher.

São aspectos culturais e, por isso, se tiverem acesso a informações corretas e esclarecedoras, as mulheres podem passar a encarar o sexo no pós parto de uma forma mais leve e gostosa. Muitas mulheres relatam, por exemplo, que apesar de terem sofrido uma diminuição do apetite sexual, experimentaram retomar o sexo de forma lenta e gradual, respeitando seus próprios limites e com a total cumplicidade de seus parceiros, e que dessa forma o processo fluiu de forma natural e prazerosa, sem grandes neuras, medos ou preocupações. 

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