Investigação

Empresas investigadas na Operação Carne Fraca doaram R$ 393 milhões a políticos em 2014

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Publicado em 17/03/2017 às 21:12
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Além do dinheiro, os agentes recebiam como propina produtos alimentícios das empresas, segundo a PF / Foto: AFP

Além do dinheiro, os agentes recebiam como propina produtos alimentícios das empresas, segundo a PF Foto: AFP

Cerca de R$ 393 milhões foram doados das empresas investigadas na Operação Carne Branca, deflagrada nesta sexta-feira (17), para políticos nas eleições gerais de 2014 - a última em que os candidatos puderam ser apoiados oficialmente por pessoas jurídicas. Cerca de 25 siglas foram beneficiadas diretamente via comitês, de acordo com a Polícia Federal (PF).

Dos cinco partidos, o PT recebeu a maior fatia: cerca de R$ 60,7 milhões. Em seguida, o PMDB aparece com o recebimento de R$ 59,1 milhões. Já o PSDB, com R$ 58,1 milhões. Todo valor arrecadado abasteceu campanhas em todo País, assim que o partido recebia e encaminhava para os candidatos.

O PMDB e o PP recebiam parte da propina destinada aos fiscais do Ministério da Agricultura que teriam afrouxado a fiscalização, segundo as suspeitas da PF. O PP informou que desconhece o teor das denúncias e apoia a investigação. Já o PMDB informou que desconhece o teor da investigação e não autoriza ninguém a falar em nome do partido.

PT: R$ 60,7 milhões
PMDB: R$ 59,1 milhões
PSDB: R$ 58,1 milhões
PP: R$ 38,1 milhões
PR: R$ 24,4 milhões

Doações a candidatos:

Cerca de R$ 79 milhões foram doados diretamente a candidatos, beneficiando dezenas de políticos por todo Brasil. Os candidatos do PT foram os mais contemplados, recebendo R$ 60,6 milhões. Logo depois, os peemedebistas embolsaram R$ 6,9 milhões; enquanto os tucanos, R$ 3,3 milhões.

PT: R$ 60,6 milhões
PMDB: 6,9 milhões
PSDB: 3,3 milhões
PSD: 3,1 milhões
PROS: 1,6 milhão

Investigação

A Operação Carne Fraca é resultado de dois anos de investigações e foi divulgada pela PF como a maior realizada na história da corporação. Mais de 1,1 mil policiais federais cumprem 309 mandados em sete unidades federativas: São Paulo, Distrito Federal, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás. Além das empresas que participavam do esquema, a operação tem como alvo os fiscais do Ministério da Agricultura que se beneficiaram do recebimento de propina e de vantagens pessoais para liberar a venda da carne imprópria para consumo.

Além do repasse de dinheiro, os agentes públicos recebiam como propina produtos alimentícios das empresas, segundo a PF. Alguns, inclusive, já estariam começando a reclamar da qualidade dos alimentos que ganhavam para fazer vista grossa na fiscalização.

O delegado Maurício Moscardi ressaltou que a responsabilidade pelos atos criminosos é compartilhada por empresários e agentes públicos. “Não havia uma relação de extorsão, mas sim de benefício e de alimentação mútua entre eles. Os empresários também incentivavam e se sentiam próximos desse esquema; eram corruptores”, afirmou.

Dentro do Ministério da Agricultura, a PF descobriu que os funcionários envolvidos promoviam remoções (transferências) de fiscais para garantir a continuidade do esquema criminoso. A investigação começou, inclusive, depois que um fiscal se recusou a ser removido ao descobrir fraudes em uma das empresas envolvidas.

Alvo da Operação Carne Fraca deflagrada nesta sexta-feira, 17, por suspeita de pagar propinas a fiscais agropecuários federais, a empresa JBS doou em 2014 R$ 200 mil à campanha para a Câmara dos Deputados do atual ministro da Justiça Osmar Serraglio (PMDB-PR). O valor foi doado primeiro ao diretório nacional do PMDB, que repassou para a campanha do atual ministro

A quantia representa a maior doação única para o peemedebista, cuja campanha teve uma arrecadação total de R$ 1,4 milhão. Seu nome apareceu nos grampos da investigação, que identificaram um diálogo do atual ministro da Justiça - Pasta à qual está atrelada a própria Polícia Federal -, com o fiscal agropecuário Daniel Gonçalves Filho, superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná entre 2007 e 2016.

A Operação Carne Fraca aponta Daniel Gonçalves como o "líder da organização criminosa". No diálogo, Osmar Serraglio se refere a Daniel Gonçalves como "o grande chefe".

A JBS foi a maior doadora eleitoral em 2014, tendo repassado R$357 milhões a partidos e políticos. Segundo levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo, as empresas do grupo e de seus sócios foram também as que fizeram mais doações para deputados eleitos. Ao todo, o frigorífico distribuiu R$ 61,2 milhões para 162 deputados eleitos. Os recursos foram doados para a cúpula de 21 dos 28 partidos representados na Câmara, incluindo todos os grandes.

A Seara e a BRF, outras gigantes do setor e que também foram alvos da operação desta sexta-feira, doaram o total de R$ 5,9 milhões a deputados eleitos em 2014. Segundo o delegado Maurício Moscardi Grillo, responsável pela investigação, parte do dinheiro dos frigoríficos para os fiscais abastecia políticos do PMDB e do PP.

Grampo

Segundo a decisão que deflagrou a Carne Fraca, "em conversa com o deputado Osmar Serraglio, Daniel é informado acerca de problemas que um Frigorífico de Iporã estaria tendo com a fiscalização do Ministério da Agricultura (o frigorífico Larissa situa-se na mesma cidade)".

O frigorífico Larissa pertence ao empresário Paulo Rogério Sposito, candidato a deputado federal pelo Estado de São Paulo em 2010 com o nome Paulinho Larissa.

A PF encaminhou à Justiça, com sugestão para envio à Procuradoria-Geral da República, relatório que cita Serraglio. Como deputado federal pelo PMDB do Paraná, o atual ministro da Justiça detém prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal.

Na decisão que autorizou a operação, o juiz Marcos Josegrei da Silva, da 14.ª Vara Federal, afirmou não ver suspeitas suficientes sobre o ministro para que o caso fosse remetido ao Supremo Tribunal Federal.

"Por fim, conforme bem destacado na manifestação ministerial (Ministério Público Federal), dos diálogos não se extraem elementos suficientes no sentido de que o parlamentar (Deputado Federal) que é interlocutor em um dos diálogos, que detém foro por prerrogativa de função, esteja envolvido nos ilícitos objeto de investigação no inquérito policial relacionado a este feito ou em qualquer outro que requeira neste momento o envio de peças ao Tribunal competente para eventual apuração de ilícito penal", assinalou o magistrado.

Defesas

O Ministério da Justiça de manifestou por meio de nota. "Se havia alguma dúvida de que o Ministro Osmar Serraglio, ao assumir o cargo, interferiria de alguma forma na autonomia do trabalho da Polícia Federal, esse é um exemplo cabal que fala por si só. O Ministro soube hoje, como um cidadão igual a todos, que teve seu nome citado em uma investigação. A conclusão tanto pelo Ministério Público Federal quanto pelo Juiz Federal é a de que não há qualquer indício de ilegalidade nessa conversa degravada."

Em relação a operação realizada pela PF, a JBS "esclarece que não há nenhuma medida judicial contra os seus executivos. A empresa informa ainda que sua sede não foi alvo dessa operação. A ação deflagrada hoje em diversas empresas localizadas em várias regiões do país, ocorreu também em três unidades produtivas da Companhia, sendo duas delas no Paraná e uma em Goiás. Na unidade da Lapa (PR) houve uma medida judicial expedida contra um médico veterinário, funcionário da Companhia, cedido ao Ministério da Agricultura", diz o texto.

"A JBS e suas subsidiárias atuam em absoluto cumprimento de todas as normas regulatórias em relação à produção e a comercialização de alimentos no país e no exterior e apoia as ações que visam punir o descumprimento de tais normas".

A JBS no Brasil e no mundo adota rigorosos padrões de qualidade, com sistemas, processos e controles que garantem a segurança alimentar e a qualidade de seus produtos. A companhia destaca ainda que possui diversas certificações emitidas por reconhecidas entidades em todo o mundo que comprovam as boas práticas adotadas na fabricação de seus produtos".

"A Companhia repudia veementemente qualquer adoção de práticas relacionadas à adulteração de produtos - seja na produção e/ou comercialização - e se mantém à disposição das autoridades com o melhor interesse em contribuir com o esclarecimento dos fatos", finaliza a nota.

A empresa não se manifestou sobre as doações feitas a Serraglio. O espaço está aberto para sua manifestação.

Repercussão

No fim da manhã desta sexta-feira, a Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) emitiu nota oficial assinada pelo presidente da instituição, João Martins da Silva Júnior. No texto, a entidade defende a apuração dos fatos envolvendo frigoríficos e fiscais agropecuários e que, uma vez comprovados, possam levar à punição exemplar dos envolvidos.

A nota da CNA diz ainda que os produtores rurais brasileiros têm dado “grande contribuição ao desenvolvimento nacional” e afirma não ser justo que eles tenham a imagem “maculada pela ação irresponsável e criminosa de alguns”.

Em nota, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários diz que apoia a ação da Polícia Federal. "A operação está alinhada aos objetivos de auditores fiscais federais agropecuários no sentido de aprimorar a inspeção de produtos de origem animal no Brasil". Segundo o sindicato, as denúncias constam de processo administrativo que tramita no Ministério da Agricultura desde 2010.

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