Intenções

Trump encanta Israel, choca palestinos e assusta o mundo

Rafael Paranhos da Silva
Rafael Paranhos da Silva
Publicado em 16/02/2017 às 21:39
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A embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Nikki Haley, minimizou as declarações de Trump / Foto: AFP

A embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Nikki Haley, minimizou as declarações de Trump Foto: AFP

Distanciando-se da solução de dois Estados para resolver um dos conflitos mais antigos do mundo, Donald Trump encantou a direita de Israel e chocou os palestinos, embora ninguém consiga desvendar direito as intenções do novo presidente americano.

"Este é o fim de uma ideia perigosa e errada: a criação de um Estado terrorista palestino no coração da terra de Israel", alardeou o ministro israelense da Ciência, Ofir Akunis, reiterando a reivindicação judaica sobre a Cisjordânia em nome da Bíblia.

Para sua colega da Cultura, Miri Regev, é "uma nova era diplomática" e o "fim do congelamento" dos assentamentos nos territórios palestinos ocupados.

A ONU avaliou que não houve mudança em sua política.

"A solução de dois Estados continua sendo o único caminho para alcançar as legítimas aspirações nacionais de ambos os povos", disse o enviado da ONU para o Oriente Médio, Nickolay Mladenov, ao Conselho de Segurança.

Hoje, a embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Nikki Haley, minimizou as declarações de Trump.

"Apoiamos totalmente a solução de dois Estados, mas também pensamos (em alternativas) fora desse marco", declarou Haley, após uma reunião do Conselho sobre Oriente Médio.

Já o candidato de Trump para ser embaixador em Israel, o advogado judeu americano David Friedman, muito polêmico por suas posturas radicais a favor da colonização, mostrou-se cético diante da possibilidade de uma solução de dois Estados, sem descartá-la.

"Manifestei meu ceticismo sobre a solução de dois Estados unicamente com base no que percebi como a recusa a renunciar à violência e aceitar Israel como um Estado judaico", declarou ele na sabatina no Senado, que deve validar sua nomeação.

O ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Marc Ayrault, classificou a posição dos Estados Unidos como "confusa e preocupante" e reiterou o apoio de seu governo a ambas as partes.

"A perspectiva de um Estado palestino também é uma garantia para a segurança de Israel", acrescentou.

O líder da Liga Árabe (LA), Abul Gheit, comentou que nenhuma alternativa à de dois Estados será aceitável.

Ao receber na quarta-feira, na Casa Branca, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, Trump tomou distância da posição defendida há anos por seus antecessores em relação ao conflito entre israelenses e palestinos.

Ele afirmou que os Estados Unidos não vão se ater à solução de dois Estados - a criação de um Estado palestino que coexista com Israel -, a qual também é a referência de grande parte da comunidade internacional.

"Por muito tempo, pensei que a solução de dois Estados era a mais fácil. Mas, honestamente, se Israel e os palestinos estão felizes, eu estou feliz com o que eles preferirem", declarou o presidente republicano.

A aparente ruptura de um homem que durante sua campanha defendeu ideias muito pró-israelenses preocupa os palestinos.

"O fim da solução de dois Estados significa um único Estado, mesmo racista", reagiu o editorial do jornal Al-Quds.

"Após mais de 20 anos passados a negociar e depois de concordar em manter apenas 22% da Palestina histórica, a grande questão é: o que devemos fazer?".

Os líderes palestinos que apoiam as negociações com Israel afirmam que, sem um Estado palestino, a única possibilidade é um Estado expandido na Cisjordânia, já ocupada por Israel, e em Jerusalém Oriental, reivindicada pelos palestinos como sua futura capital, mas que foi anexada por Israel.

Os judeus terão mais direitos do que os palestinos, o que equivaleria a um regime de Apartheid, alegam as lideranças palestinas.

Após o encontro Trump-Netanyahu, a Presidência palestina escolheu o tom da reserva.

Em uma nota, repetiu seu "compromisso com a solução de dois Estados" e disse estar "pronta para interagir de forma positiva com a administração Trump para construir a paz".

Prematuro

"A impressão que nós tivemos é a de que Trump diz que quer a paz", declarou à AFP Hossam Zomlot, assessor do presidente Mahmud Abbas, atacando Israel, mas não Trump.

Já o cientista político palestino Jihad Harb destaca as dificuldades da liderança palestina para estabelecer canais de comunicação com o governo Trump.

Enfraquecidos e divididos, os palestinos não têm outro horizonte além de um confronto diplomático com Israel, algo que os Estados Unidos poderiam fazê-los pagar caro, ou de uma revolta popular, com consequências imprevisíveis, aponta Harb.

"A liderança palestina teme entrar em um confronto que poderia ser contraproducente", segundo o especialista.

"Caloroso e excelente encontro com o presidente Donald Trump. Um dia de sucesso para o Estado de Israel", tuitou Netanyahu.

Até mesmo o apelo à retenção feito por Trump sobre a colonização não afetou a satisfação daquele cujo país anunciou nas últimas semanas mais de 6 mil assentamentos, antes de ser contido pela Casa Branca.

Sob pressão de sua direita, Netanyahu disse aos jornalistas israelenses que aceitou, durante suas conversas com Trump, buscar um acordo com o governo dos Estados Unidos sobre a construção dos assentamentos, informou a imprensa.

"Vale a pena fazer o esforço", afirmou ele, segundo a imprensa, excluindo voltar atrás nos recentes anúncios.

"A administração Trump ainda não é capaz de desenvolver políticas reais, e é prematuro especular", diz o especialista do Instituto de Política do Povo Judeu Shmuel Rosner.

"Não acredito que o presidente Trump apresentou ontem uma visão realista da paz no Oriente Médio", avaliou.

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