Holanda

Matador de gansos causa ira de ativistas na Holanda

Marcella César de Albuquerque Falcão
Marcella César de Albuquerque Falcão
Publicado em 30/06/2015 às 10:00
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O chiado do gás, lançado depois que uma alavanca vermelha foi virada por Arie den Hertog na parte de trás de sua van, marcou o começo do massacre. As vítimas, apertadas em uma caixa de madeira selada parecendo um caixão, guincharam enquanto lutavam para respirar. Então, depois de quase dois minutos, todas ficaram em silêncio.

Olhando o timer de seu celular, Den Hertog, declarou o trabalho feito. “Agora está terminado”, disse ele com orgulho de seu trabalho horrivelmente eficiente, em um glorioso dia de sol sob uma fileira de árvores de álamo na beira do Baixo Reno.

Chamado de nazista pelos ativistas dos direitos dos animais e saudado como um herói pelos fazendeiros holandeses, Den Hertog, de 40 anos, é um especialista holandês incomparável na teoria e na prática de matar grandes números de gansos selvagens.

Em sua recente excursão à Wijk bij Duurstede, uma vila na região de Utrecht, ao sul de Amsterdã, ele matou 570 gansos-bravos em sua câmara de gás portátil, equipada com dois grandes recipientes de dióxido de carbono. A última façanha aumentou seu número de mortes para mais de sete mil na semana.

“Não é divertido, mas tem que ser feito”, diz ele sobre seu trabalho.

As autoridades holandesas também insistem que precisa ser feito. Elas pagam Den Hertog para impedir que a comunidade de gansos, que está sempre em expansão, devore a grama dos pastos e voe na direção dos aviões que estão saindo do Aeroporto Schiphol, em Amsterdã, um grande centro da Europa. Ele é a resposta desagradável para o que se tornou um problema em grande escala para a Holanda.

EXPANSÃO - A população de gansos aqui disparou com a ajuda de uma lei de 1999 banindo sua caça; o aumento do uso de fertilizantes ricos em nitrogênio, que os gansos aparentemente amam; e a expansão de áreas em que a natureza é protegida. A combinação, mais a abundância de rios e canais, transformou o país no “Eldorado dos gansos”, afirma Julia Stahl, chefe de pesquisa da Sovon, um grupo que monitora as populações de aves selvagens da Holanda.

Os pássaros que costumavam voltar ao Ártico Russo e a outros lugares no verão estão cada vez mais deixando de migrar. Julia estima que os gansos-bravos, que pareciam estar sumindo da Holanda nos anos 1970, agora compõem três quartos da população de gansos do país, que pode atingir 800 mil no verão e dobrar no inverno.

Se os ativistas dos direitos dos animais não interromperem as mortes por gás, afirma Den Hertog, os passageiros chegando e partindo do Aeroporto de Schiphol não precisarão pensar se os pilotos têm a mesma habilidade de Chesley B. Sullenberger III, o capitão da força aérea dos Estados Unidos que conseguiu pousar no Rio Hudson em 2009 depois que um ganso quebrou os motores de seu avião.

“Se eu puder fazer o meu trabalho, os pilotos não precisam se preocupar em como farão o deles”, afirma Den Hertog.

AMEAÇA PARA A SEGURANÇA - O medo de que os gansos pudessem ser uma ameaça para a segurança das linhas aéreas garantiu a Den Hertog sua primeira grande chance, em 2008, um ano antes da descida no Rio Hudson, quando ele ganhou um contrato do governo para implantar sua câmara de gás caseira. Até então, a empresa de controle de pragas de sua família tinha como foco tarefas mais convencionais, como livrar as casas dos pombos comuns, das toupeiras, das raposas e de outras pestes.

Apesar de ter sido um grande impulso para os negócios, o contrato do aeroporto também colocou Den Hertog na mira dos grupos de diretos dos animais, que o acusam de reviver métodos nazistas de chacina e abriram vários processos na justiça para fazê-lo parar.

Ativistas da Frente de Liberação Animal entraram nos escritórios de sua empresa, colocaram fogo em uma sala nos fundos e rabiscaram grafites abusivos nas paredes. Ninguém foi preso.

Com seus escritórios e a casa adjacente desde então garantidos por câmeras de segurança e cercas para manter os invasores do lado de fora, Den Hertog espera que o pior tenha passado, mas ainda se preocupa com as mensagens de ódio.

“Você é como os nazistas na guerra”, dizia um recente e-mail anônimo. “Espero que você pegue uma doença fatal e morra lentamente.”

APOIO DOS FAZENDEIROS - O abuso, diz ele, deixou-o triste, mas foi compensado por “todos os fazendeiros felizes que gostam do que estou fazendo”.

“Me chamaram de todos os nomes do livro”, conta Den Hertog, vasculhando uma pasta preta cheia de mensagens abusivas. “Sou xingado de nazista quase todos os dias.”

“Muitas pessoas são emocionais quando se trata de animais”, explica Den Hertog, debochando do que descarta como atitudes sentimentais moldadas por um modo de vida moderno e urbano. “Eles lhes dão nomes e acham que são humanos. Mas a própria natureza é muito dura. Quando um pássaro fica doente, a raposa o vê e o mata imediatamente. Mas se os humanos o veem, querem levá-lo para o hospital.”

Desde que começou em 2008, ele estima que já tenha matado mais de 25 mil gansos em volta do Aeroporto Schiphol, e de 50 mil a 60 mil ao todo. Todos são doados para um açougueiro em Amsterdã especializado em carne de caça.

Depois do barulho inicial a respeito de seus métodos, Den Hertog não pode mais usar o dióxido de carbono e teve que recorrer a outros métodos, como tiros, ou, em alguns casos, atacá-los com um martelo.

“Foi horrível, sangue por todos os lados”, diz Hugo Spitzen, guarda de conservação da área que assistiu uma antiga matança sem gás.

O uso do gás, afirma Spitzen, tem um problema de relações públicas porque “a ligação com a Segunda Guerra é muito difícil”, mas é “muito melhor porque não há sangue e pânico e leva apenas pouco mais de um minuto”.

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