O desafio começa nas calçadas Foto: Lorena Barros / JC Trânsito
Thiago Dantas tem 34 anos e há 13, após dirigir alcoolizado e se envolver em um acidente de carro, precisa de cadeira de rodas para se locomover. Hoje é educador da Operação Lei Seca, e, ao contrário de mais de dois milhões de pessoas da Região Metropolitana do Recife, não conta com um automóvel para trafegar pela cidade.
Para sair de sua casa, no bairro de Areias, Zona Oeste do Recife, e chegar ao trabalho, na Secretaria de Saúde de Pernambuco, bairro do Bongi, Thiago tem duas opções: pegar dois ônibus - Vila Cardeal e Silva, descer na Estação de Afogados e pegar um Bongi -, ou pegar um ônibus complementar, descer na Estação Werneck, entrar no metrô até Afogados e, de lá, tomar o ônibus que faz a linha Bongi. Todos os dias.
Segundo Thiago, a opção mais viável é pegar dois ônibus, já que nem todas as estações de metrô possuem elevadores e, na Estação Werneck - seu ponto de partida -, as rampas de acesso à plataforma de embarque são longas e exigem muita força nos braços ou ajuda de terceiros para subir com a cadeira de rodas. Os problemas aparecem também no momento do embarque e desembarque no trem: em algumas estações, a distância entre a plataforma e o trem é muito larga ou o desnível entre eles é muito alto. Esses pequenos problemas se perdem na correria do dia a dia de terminais integrados da Região Metropolitana, mas são gritantes para portadores de deficiência.
A parada de ônibus onde passa o Vila Cardeal, a primeira opção de transporte até a Secretaria de Saúde, fica a menos de 100 metros da casa de Thiago. Chegar até lá é o primeiro desafio a ser enfrentado por ele. Há rampas de acesso à calçada, mas, ao mesmo tempo, existem inúmeros obstáculos que impedem sua locomoção: postes, degraus e rampas de garagem, empecilhos físicos e imóveis, não deixam outra opção a não ser competir com os carros, no meio da rua. Durante o trajeto até o seu destino final, Thiago precisa lidar também com buracos, lixo, rampas mal planejadas e, em período eleitoral, até mesmo com cavaletes de candidatos.
A falta de conservação das calçadas do Recife já lhe causou problemas sérios. “Eu não consegui utilizar a calçada da Avenida Portugal, no bairro da Boa Vista, e segui pela pista para atravessar o sinal na faixa de pedestres; daí fui atingido por um motociclista”, conta. Apesar de não sofrer nenhum dano físico, Thiago precisou de uma nova cadeira de rodas.
Os menores desníveis podem fazer a diferença e exigem não só a atenção constante como também o planejamento antecipado para todo e qualquer compromisso. "Antes de sair de casa, eu faço mentalmente o percurso das mais diversas formas e sigo por aquele que terei menos obstáculos, mesmo que seja o caminho mais longo", explica. Para não se atrasar, procura sair de casa com duas horas de antecedência: "Sempre há possibilidade de encontrar um ônibus quebrado, transporte lotado, calçadas com buraco e outros imprevistos".
Thiago Dantas e sua espera diáriaFoto: Lorena Barros / JC Trânsito
Depois de quase 15 minutos esperando o ônibus da linha Vila Cardeal, o roteiro foi alterado e Thiago optou pela segunda opção: transporte Complementar / metrô/ ônibus. A poeira acumulada no elevador do transporte complementar, que faz a linha Jardim São Paulo / Shopping, mostrou a falta de manutenção no veículo. O tempo normal de embarque é de aproximadamente três minutos - o tempo para descer a plataforma, embarcar a cadeira, subir a plataforma e retornar ao ponto inicial -, entretanto, após os primeiros passos a plataforma não retornou ao ponto inicial e, depois de cinco minutos de tentativas, o motorista decidiu seguir viagem com a porta aberta e o elevador acionado. A paciência do motorista, que passou cerca de cinco minutos tentando fazer o equipamento funcionar, foi elogiada por Thiago.
Nas ruas, alguns desníveis tornam a passagem impossível e terceiros precisam ajudar. No metrô, diante da correria dos passageiros, uma pessoa auxilia na descida na plataforma. Esses pequenos traços de gentileza tornam o desafio de sair de casa menos complicado.
Mas Thiago conta que já ouviu reclamações de outros passageiros. “Além dos olhares e da reclamação de pessoas incomodadas por terem que sair do local reservado para a cadeira de rodas, já cheguei a escutar passageiro questionar por que eu me dava ao trabalho de sair de casa”.
Ao término do percurso, Thiago deixou uma mensagem para todos aqueles que, assim como ele, dependem de cadeira de rodas para ir e vir e não possuem carro: “Não percam a força de vontade. Com força de vontade, não há limitações para os obstáculos da cidade; há apenas experiências e a vontade de tomar iniciativas para tornar a mobilidade da cidade digna para todos seus habitantes".
ELEVADORES - Hoje 63% dos 3 mil veículos do Sistema de Transporte Público de Passageiros ( STPP) possuem elevador para acesso de pessoas com deficiência. A meta do Consórcio Grande Recife é de que, no final deste ano, 100% da frota esteja equipada. A Assessoria de Imprensa do Consórcio Grande Recife afirma que realiza fiscalizações periódicas nas plataformas elevatórias veiculares, popularmente chamadas de “elevador”. Thiago lembra que já participou dessas fiscalizações e ajudou o consórcio a levar veículos quebrados para terem manutenção realizada. Para realizar denúncias sobre as condições do veículo, é necessário que o número de ordem, horário e local da infração sejam registrados e passados para os responsáveis através do número 0800.081.0158.
METRÔ - Embora no metrô do Recife todas as estações possuam rampas, nem todas são equipadas com escadas rolantes e elevadores, dificultando ainda mais a passagem de pessoas portadores de necessidades especiais.
A aposentada Rosilda Silva enfrenta as dificuldades de quem utiliza o metrô do RecifeFoto: Mariana Campello / JC Trânsito
Na estação Central Recife, o elevador está funcionando, porém, das três escadas rolantes, aquela que dá acesso à plataforma para seguir para Camaragibe / Jaboatão está quebrada.
A aposentada Rosilda Rocha, que tem dificuldades de locomoção e faz uso de uma muleta, disse que, por várias vezes na Estação Cajueiro Seco, na Linha Sul, o elevador não funciona. "A noite é o pior horário para usar este tipo de transporte. Já encontrei o elevador quebrado inúmeras vezes", explica.
Na estação Joana Bezerra, os equipamentos estavam todos operando, mas, para ter acesso ao elevador, é preciso falar com um funcionário do local para ativá-lo. Segundo o funcionário, a ação visa a evitar atos de vandalismo, que são constantes. Segundo a Companhia Brasileira de Transporte Urbano (CBTU), em 2013, mais de R$ 100 mil foram gastos com a manutenção do metrô devido a depredações.
Enquanto na Estação Camaragibe, a escada rolante está quebrada, na Estação Cosme e Damião, nem a escada rolante nem o elevador estavam funcionando. Cadeirante, o autônomo José Gomes da Silva disse que é preciso chamar os seguranças para carregá-lo já que, inúmeras vezes, o elevador está inoperante.
Segundo Salvino Gomes, assessor de imprensa da Metrorec, a Estação Cosme e Damião passou por problemas de infiltração que queimaram os circuitos do elevador e da escada rolante da via 2, que dá acesso à plataforma que vai para o sentido Recife. Porém, ele afirma que isso não representa o bloqueio total da acessibilidade na estação e os passageiros que não conseguirem subir de escada devem seguir pela via 1 até Camaragibe (apenas uma estação adiante) e voltar no mesmo trem, atrasando a viagem em apenas sete minutos. Em relação à Estação Recife, a assessoria de imprensa afirmou que a escada de descida é esporadicamente desligada em horário de pico, para evitar acidentes.