Superação

No Dia Mundial Sem Carro, o desafio de quem tem a mobilidade reduzida

Lorena Barros e Mariana Campello
Lorena Barros e Mariana Campello
Publicado em 21/09/2014 às 18:47
Lorena Barros / JC Trânsito
FOTO: Lorena Barros / JC Trânsito
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O desafio começa nas calçadas / Foto: Lorena Barros / JC Trânsito

O desafio começa nas calçadas Foto: Lorena Barros / JC Trânsito

Em um dia de conscientização e incentivo para pessoas de todo o mundo deixarem seus carros em casa e seguirem para seus compromissos com transportes coletivos - como ônibus e metrô - e alternativos, como bicicletas, ou até mesmo a pé, nos deparamos com questionamentos sobre a qualidade do transporte público da nossa cidade. Constantemente, passageiros da Região Metropolitana do Recife enfrentam ônibus e metrôs lotados, veículos em situações precárias e diversas dificuldades com o trânsito. Se esses problemas tornam o cotidiano de milhões de passageiros ainda mais complicado, como fica a rotina de pessoas com deficiência, que necessitam de muletas ou cadeiras de roda para se locomover pela cidade? Para marcar a data do Dia Mundial Sem Carro, nesta segunda-feira (22), e lembrar o Dia da Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, comemorado nesse domingo (21), o JC Trânsito acompanhou a saga de Thiago, que utiliza cadeira de rodas e transporte público no Recife.

Thiago Dantas tem 34 anos e há 13, após dirigir alcoolizado e se envolver em um acidente de carro, precisa de cadeira de rodas para se locomover. Hoje é educador da Operação Lei Seca, e, ao contrário de mais de dois milhões de pessoas da Região Metropolitana do Recife, não conta com um automóvel para trafegar pela cidade.

Para sair de sua casa, no bairro de Areias, Zona Oeste do Recife, e chegar ao trabalho, na Secretaria de Saúde de Pernambuco, bairro do Bongi, Thiago tem duas opções: pegar dois ônibus - Vila Cardeal e Silva, descer na Estação de Afogados e pegar um Bongi -, ou pegar um ônibus complementar, descer na Estação Werneck, entrar no metrô até Afogados e, de lá, tomar o ônibus que faz a linha Bongi. Todos os dias.

Segundo Thiago, a opção mais viável é pegar dois ônibus, já que nem todas as estações de metrô possuem elevadores e, na Estação Werneck - seu ponto de partida -, as rampas de acesso à plataforma de embarque são longas e exigem muita força nos braços ou ajuda de terceiros para subir com a cadeira de rodas. Os problemas aparecem também no momento do embarque e desembarque no trem: em algumas estações, a distância entre a plataforma e o trem é muito larga ou o desnível entre eles é muito alto. Esses pequenos problemas se perdem na correria do dia a dia de terminais integrados da Região Metropolitana, mas são gritantes para portadores de deficiência.

A parada de ônibus onde passa o Vila Cardeal, a primeira opção de transporte até a Secretaria de Saúde, fica a menos de 100 metros da casa de Thiago. Chegar até lá é o primeiro desafio a ser enfrentado por ele. Há rampas de acesso à calçada, mas, ao mesmo tempo, existem inúmeros obstáculos que impedem sua locomoção: postes, degraus e rampas de garagem, empecilhos físicos e imóveis, não deixam outra opção a não ser competir com os carros, no meio da rua. Durante o trajeto até o seu destino final, Thiago precisa lidar também com buracos, lixo, rampas mal planejadas e, em período eleitoral, até mesmo com cavaletes de candidatos.

A falta de conservação das calçadas do Recife já lhe causou problemas sérios. “Eu não consegui utilizar a calçada da Avenida Portugal, no bairro da Boa Vista, e segui pela pista para atravessar o sinal na faixa de pedestres; daí fui atingido por um motociclista”, conta. Apesar de não sofrer nenhum dano físico, Thiago precisou de uma nova cadeira de rodas.

Os menores desníveis podem fazer a diferença e exigem não só a atenção constante como também o planejamento antecipado para todo e qualquer compromisso. "Antes de sair de casa, eu faço mentalmente o percurso das mais diversas formas e sigo por aquele que terei menos obstáculos, mesmo que seja o caminho mais longo", explica. Para não se atrasar, procura sair de casa com duas horas de antecedência: "Sempre há possibilidade de encontrar um ônibus quebrado, transporte lotado, calçadas com buraco e outros imprevistos".

Thiago Dantas e sua espera diária

Thiago Dantas e sua espera diáriaFoto: Lorena Barros / JC Trânsito

ROTINA - A distância entre a casa de Thiago e o trabalho é de apenas 5,8 km - o tempo médio de viagem seria de 30 minutos -, mesmo assim, fora do horário de pico de um dia de semana, a viagem durou mais de uma hora. Inicialmente, o itinerário que seria feito por ele, acompanhado pela equipe do JC Trânsito, era de dois ônibus, porém, o primeiro ônibus da linha Vila Cardeal a passar na Rua Ipojuca, local onde embarcaríamos, estava com o elevador quebrado. “É normal”, afirmou Thiago, que já sabe de cabeça os números dos ônibus que apresentam problema. “Há mais de um mês denuncio ao Grande Recife (consórcio responsável pelas linhas de ônibus da RMR) que o ônibus de número 973 está com o elevador quebrado; eles protocolam, enviam notificações à empresa, que realiza reparos. Logo depois o ônibus aparece com o elevador quebrado de novo.”

Depois de quase 15 minutos esperando o ônibus da linha Vila Cardeal, o roteiro foi alterado e Thiago optou pela segunda opção: transporte Complementar / metrô/ ônibus. A poeira acumulada no elevador do transporte complementar, que faz a linha Jardim São Paulo / Shopping, mostrou a falta de manutenção no veículo. O tempo normal de embarque é de aproximadamente três minutos - o tempo para descer a plataforma, embarcar a cadeira, subir a plataforma e retornar ao ponto inicial -, entretanto, após os primeiros passos a plataforma não retornou ao ponto inicial e, depois de cinco minutos de tentativas, o motorista decidiu seguir viagem com a porta aberta e o elevador acionado. A paciência do motorista, que passou cerca de cinco minutos tentando fazer o equipamento funcionar, foi elogiada por Thiago.

Nas ruas, alguns desníveis tornam a passagem impossível e terceiros precisam ajudar. No metrô, diante da correria dos passageiros, uma pessoa auxilia na descida na plataforma. Esses pequenos traços de gentileza tornam o desafio de sair de casa menos complicado.

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Às 9h50, Thiago sai de casa, em Areias, mesmo só precisando chegar ao trabalho às 12h. Percorrer os menos de 10 km até o bairro do Bongi é um desafio - Lorena Barros / JC Trânsito
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No caminho curto até a parada a calçada conta com diversos obstáculos, que o obrigam a seguir pela rua, competindo com os carros. - Lorena Barros / JC Trânsito
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A espera pelo primeiro ônibus (Vila Cardeal e Silva) é marcada por incertezas, afinal, frequentemente os elevadores da linha estão quebrados. - Lorena Barros / JC Trânsito
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Após não poder embarcar em um ônibus da linha Vila Cardeal, com o elevador quebrado, Thiago decide mudar o itinerário e pegar um ônibus complementar. - Lorena Barros / JC Trânsito
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O embarque no complementar ocorreu com normalidade, porém o elevador não retornou à posição inicial e o motorista precisou trafegar de porta aberta. - Lorena Barros / JC Trânsito
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Ao desembarcar do lado de fora da Estação Werneck, Thiago necessita da ajuda de outra pessoa para conseguir passar pela calçada, cheia de buracos. - Lorena Barros / JC Trânsito
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Na estação Afogados, o vão entre o trem e a plataforma fez com que Thiago necessidade de ajuda para desembarcar. Um dos desafios enfrentados no metrô. - Lorena Barros / JC Trânsito
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Em alguns pontos da cidade, como na Estação Afogados, mesmo com pisos planos, outros obstáculos complicam a passagem de Thiago pela calçada. - Lorena Barros / JC Trânsito
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A imprudência de motoristas, somada com a falta de acessibilidade das calçadas, expõe Thiago a perigos graves, o obrigando a seguir pelo meio da rua. - Lorena Barros / JC Trânsito
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A última etapa da viagem começa às 10h30, quando, debaixo do sol (é mais prático ficar na rua do que na calçada e na sombra) aguarda o último coletivo - Lorena Barros / JC Trânsito
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Após apenas quinze minutos de espera o ônibus da linha Bongi/Subúrbio chega. O elevador apresenta problemas e exige que Thiago o force para baixo. - Lorena Barros / JC Trânsito
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"Alguns elevadores não passam por manutenção e exigem força da gente. Vez ou outra, minha mão fica suja." - Lorena Barros / JC Trânsito
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Na hora do desembarque, outro desafio: cavaletes eleitorais instalados na parada de ônibus impedem Thiago de descer e o obrigam a esperar. - Lorena Barros / JC Trânsito
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Na descida, o elevador apresenta problemas e volta à sua posição com Thiago ainda desembarcando. - Lorena Barros / JC Trânsito
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Habituado com a situação, Thiago auxilia o motorista, que, com paciência e força física tenta reparar o equipamento. - Lorena Barros / JC Trânsito
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Após mais de cinco minutos de tentativas, Thiago desembarca do ônibus e enfrenta o último desafio antes de chegar ao trabalho: outra calçada quebrada. - Lorena Barros / JC Trânsito
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Às 11h05, uma hora e quinze após sair de casa, Thiago completa o percurso de 5,8 km e chega à SDS. Mais um desafio cumprido na sua rotina. - Lorena Barros / JC Trânsito
Mariana Campello / JC Trânsito
Os problemas se estendem para diversos cidadãos recifenses. Rosilda Rocha, aposentada, enfrenta problemas com equipamentos do metrô diariamente. - Mariana Campello / JC Trânsito
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Em algumas estações, como Joana Bezerra, é necessário que um funcionário ative os equipamentos para pessoas com deficiência embarcarem. - Mariana Campello / JC Trânsito
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Na estação Recife, a escada que dá acesso à plataforma da linha Centro não funciona. - Mariana Campello / JC Trânsito
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José Gomes embarca na Estação Cosme e Damião, que não tem elevador ou escada rolante funcionando. Constantemente ele precisa ser carregado nos braços. - Mariana Campello / JC Trânsito

Mas Thiago conta que já ouviu reclamações de outros passageiros. “Além dos olhares e da reclamação de pessoas incomodadas por terem que sair do local reservado para a cadeira de rodas, já cheguei a escutar passageiro questionar por que eu me dava ao trabalho de sair de casa”.

Ao término do percurso, Thiago deixou uma mensagem para todos aqueles que, assim como ele, dependem de cadeira de rodas para ir e vir e não possuem carro: “Não percam a força de vontade. Com força de vontade, não há limitações para os obstáculos da cidade; há apenas experiências e a vontade de tomar iniciativas para tornar a mobilidade da cidade digna para todos seus habitantes".

ELEVADORES - Hoje 63% dos 3 mil veículos do Sistema de Transporte Público de Passageiros ( STPP) possuem elevador para acesso de pessoas com deficiência. A meta do Consórcio Grande Recife é de que, no final deste ano, 100% da frota esteja equipada. A Assessoria de Imprensa do Consórcio Grande Recife afirma que realiza fiscalizações periódicas nas plataformas elevatórias veiculares, popularmente chamadas de “elevador”. Thiago lembra que já participou dessas fiscalizações e ajudou o consórcio a levar veículos quebrados para terem manutenção realizada. Para realizar denúncias sobre as condições do veículo, é necessário que o número de ordem, horário e local da infração sejam registrados e passados para os responsáveis através do número 0800.081.0158.

METRÔ - Embora no metrô do Recife todas as estações possuam rampas, nem todas são equipadas com escadas rolantes e elevadores, dificultando ainda mais a passagem de pessoas portadores de necessidades especiais.

A aposentada Rosilda Silva enfrenta as dificuldades de quem utiliza o metrô do Recife

A aposentada Rosilda Silva enfrenta as dificuldades de quem utiliza o metrô do RecifeFoto: Mariana Campello / JC Trânsito

Na Linha Sul, todas as estações têm elevadores e escadas, enquanto na Linha Centro, somente as estações Recife, Joana Bezerra, Cosme Damião e Camaragibe contam com os equipamentos.

Na estação Central Recife, o elevador está funcionando, porém, das três escadas rolantes, aquela que dá acesso à plataforma para seguir para Camaragibe / Jaboatão está quebrada.

A aposentada Rosilda Rocha, que tem dificuldades de locomoção e faz uso de uma muleta, disse que, por várias vezes na Estação Cajueiro Seco, na Linha Sul, o elevador não funciona. "A noite é o pior horário para usar este tipo de transporte. Já encontrei o elevador quebrado inúmeras vezes", explica.

Na estação Joana Bezerra, os equipamentos estavam todos operando, mas, para ter acesso ao elevador, é preciso falar com um funcionário do local para ativá-lo. Segundo o funcionário, a ação visa a evitar atos de vandalismo, que são constantes. Segundo a Companhia Brasileira de Transporte Urbano (CBTU), em 2013, mais de R$ 100 mil foram gastos com a manutenção do metrô devido a depredações.

Enquanto na Estação Camaragibe, a escada rolante está quebrada, na Estação Cosme e Damião, nem a escada rolante nem o elevador estavam funcionando. Cadeirante, o autônomo José Gomes da Silva disse que é preciso chamar os seguranças para carregá-lo já que, inúmeras vezes, o elevador está inoperante.

Segundo Salvino Gomes, assessor de imprensa da Metrorec, a Estação Cosme e Damião passou por problemas de infiltração que queimaram os circuitos do elevador e da escada rolante da via 2, que dá acesso à plataforma que vai para o sentido Recife. Porém, ele afirma que isso não representa o bloqueio total da acessibilidade na estação e os passageiros que não conseguirem subir de escada devem seguir pela via 1 até Camaragibe (apenas uma estação adiante) e voltar no mesmo trem, atrasando a viagem em apenas sete minutos. Em relação à Estação Recife, a assessoria de imprensa afirmou que a escada de descida é esporadicamente desligada em horário de pico, para evitar acidentes. 

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