Interpretações

Comportamento machista é reproduzido na música e televisão

Wladmir Paulino
Wladmir Paulino
Publicado em 16/09/2016 às 10:03
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Professora acredita que o caminho para o respeito passa pela educação. / Foto: Fotos Públicas.

Professora acredita que o caminho para o respeito passa pela educação. Foto: Fotos Públicas.

Provavelmente você não percebeu mas já deve ter cantado muita música cuja letra retratava uma visão machista. Isso sem falar em programas de televisão. Após os 20 anos de ditadura militar, a liberdade de expressão no Brasil, refreada por tanto tempo não encontrou limites ao tratar com bom humor o menosprezo ao sexo feminino - e a negros, homossexuais... - Para dar uma dimensão de como tudo era considerado natural, uma banda chamada Cascavelletes compôs e lançou uma música chamada 'Estupro com carinho'. Um dos maiores sucessos do Ultraje a Rigor é daquela época: 'Eu gosto é de Mulher'.

Num quadro do extinto programa TV Pirata, a personagem de Regina Casé relatava ter sido agredida pelo marido E pasmem! Não só achava certo como agradecia a violência. Até a popular música sertaneja teve seus momentos de rebaixar a mulher, quando não encontrar argumentos para apanhar. Atualmente no ar, a série 'Justiça' traz como uma das histórias um casal de namorados em que o ciúme excessivo de Vicente (Jesuíta Barbosa) o leva a matar a namorada Isabela (Marina Ruy Barbosa).

Uma dessas situações, a música, foi objeto de estudo da professora Amanda Contieri em sua dissertação de mestrado sobre linguística aplicada As mais tocadas: uma análise de representações da mulher em letras de canções sertanejas, pela Universidade de Campinas (Unicamp). Ela compilou 18 letras de músicas sertanejas entre os anos 1950 e 2000. O que encontrou foram diversas referências que naturalizam o machismo e a violência contra a mulher.

"Encantada com as narrativas das músicas sertanejas de raiz, resolvi analisá-las em minha monografia. Ao fazê-lo, percebi que algumas delas (uma inclusive incluí no corpus da pesquisa, chama-se O Ipê e o Prisioneiro) tratavam de assassinatos de mulheres por seus companheiros. O exemplo mais famoso era uma canção que cresci ouvindo na casa de meus avós, Cabocla Teresa. Esse olhar mais cuidadoso me permitiu tomar conhecimento da sutileza  como a violência contra a mulher assume forma quase que natural em nossa sociedade", diz.

O que implica no problema é que, por tornarem-se sucessos, tais canções e suas respectivas mensagens, terminam fazendo parte do cotidiano. "Somente uma sociedade machista, que legitima a violência contra a mulher produz esse discurso com naturalidade, sem criticá-lo. Acredito que a legitimação de um discurso pelo fato de estar em uma canção - que circula em rádios, que muitos cantam junto, que é reproduzido por um ídolo em shows ou em casas noturnas - influencia na forma como as pessoas agem em relação ao que é dito. A repetição e sutileza com que ocorre o discurso, naturaliza também a ação", aponta.

O melhor caminho a ser tomado para esses comportamentos não serem compartilhados e, principalmente, reproduzidos pelas próximas gerações, é a educação. A criançada precisa aprender a ler criticamente, de acordo com Amanda. "Precisamos discutir essas questões na escola. Ensinar nossos alunos a compreenderem textos criticamente, mostrar-lhes que a compreensão e interpretação textual não se limitam às aulas de Língua Portuguesa na escola, mas a tudo que lhes é apresentado no meio onde vivem. Desnaturalizar discursos, lugares-comuns de nossas falas aos nos referirmos à homens e mulheres, apresentar-lhes as questões históricas."

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