Assassinada pelo padastro

"Ainda escuto o pedido de socorro", diz mãe de Maria Alice, morta pelo padrasto

MARÍLIA BANHOLZER
MARÍLIA BANHOLZER
Publicado em 26/05/2016 às 17:00 | Atualizado em 13/08/2020 às 0:55
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Mãe de Maria Alice Seabra diz que não quis ver o corpo da filha ou ter contato com o acusado do crime / Foto: Marília Banholzer/NE10

Mãe de Maria Alice Seabra diz que não quis ver o corpo da filha ou ter contato com o acusado do crime Foto: Marília Banholzer/NE10

O tempo não tem sido um aliado da família da jovem Maria Alice Seabra, que morreu aos 19 anos após ser sequestrada, estuprada e torturada pelo padastro Gildo da Silva Xavier, 34, no dia 19 de junho do ano passado. "Eu ainda escuto a voz dela me pedindo socorro", disse a mãe da vítima, Maria José Arruda, 48, olhando para um vazio que vai além do espaço físico que não é mais ocupado pela "sua menina".

Dedé Arruda, como é chamada pelos amigos e familiares, admite que relembrar o crime que destruiu os alicerces de sua família dói muito, mas acredita ser necessário trazer o caso à tona sempre que ele parece ficar impune. Nesta sexta-feira (27), inclusive, será realizada mais uma audiência de instrução para que sejam ouvidas testemunhas de defesa do acusado. 

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Na audiência, que está marcada para as 9h, na 1ª Vara Criminal do Fórum de Paulista, no Grande Recife, o juiz decidirá se Gildo irá a júri popular. "Estamos nos mobilizando, vamos levar faixas, usar camisetas, pedir justiça. Eu acho que com o júri popular a pressão é maior para que ele seja condenado à pena máxima. Também vou lutar para que ele cumpra toda a pena em regime fechado", disse a mãe de Maria Alice Seabra. 


Família fará campanha por justiça no dia da audiência do acusado da morte de Maria Alice. Foto: Marília Banholzer/NE10

Se condenado, Gildo Xavier poderá pegar até 48 anos de detenção. Ele foi denunciado pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) por quatro crimes: sequestro qualificado (para fins sexuais); estupro (com o agravante de ser padastro da vítima); homicídio quadruplamente qualificado (motivo torpe, tortura ou outro meio cruel, emprego de asfixia, feminicídio, sem chance de defesa) e ocultação de cadáver.

Com um olhar distante, quase como alguém que tenta não sentir uma dor e controlar as lágrimas, Dedé Arruda conta que tem se esforçado para ser forte e seguir a vida para cuidar da filha mais nova, Daniele, de 12 anos, fruto de seu relacionamento com Gildo. "Eu não choro mais na frente dela. Tento brincar, ligar o som de casa, dançar com ela sempre que estamos ficando mais tristes."

UM ANO DE SAUDADE - No próximo dia 19 de junho o caso que chocou a sociedade pela premeditação e brutalidade completará um ano. Na mesma época, a mãe e a irmã mais nova de Maria Alice mudaram de endereço para fugir das lembranças e buscar apoio de amigos e familiares. No entanto, a sala do novo lar as lembra todos os dias que está faltando alguém. Fotografias da jovem ornamentam uma parede e o móvel da TV. O último Dia das Mães foi o primeiro que Dedé Arruda passou sem a filha que foi assassinada. "Foi difícil, minhas outras [Daniele e Angélica, 25 anos] filhas tentaram animar o dia, mas não deu para comemorar. Sempre que alguém me pergunta 'você tem quantas filhas?' eu respondo 'três!', mas acabo completando que uma Deus levou", desabafou.

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Em meio ao sofrimento da falta de alguém que lhe foi tirado pela violência doméstica, Dedé Arruda ainda precisa lidar com conflitos que envolvem a família de Gildo Xavier, pai de sua filha mais nova. "Dani não quer mais contato com o pai e com a família paterna. Ela rasgou as fotografias no dia que soube do envolvimento dele com o crime da irmã, diz também que ele morreu para ela. Dani e Alice eram muito apegadas, dormiam juntas na mesma cama, mesmo cada uma tendo a sua. Hoje a família dele me acusa de afastar ela da avó, do pai, mas foi uma decisão que partiu dela."

Após assumir o crime, Gildo passou a negar o estupro da enteada

Após assumir o crime, Gildo passou a negar o estupro da enteadaFoto: André Nery/JC Imagem

Segundo a mais velha do trio de irmãs, Angélica Seabra, a menina ainda sofre muito. "Há dias que ela acorda chorando, sem falar o motivo. Sempre que dá umas seis horas da noite ela fica triste ou inquieta. Esse seria o horário que a família estaria reunida. A gente tem que entender que ela perdeu a irmã, o pai e o modelo que tinha de família feliz", conta Angélica Seabra, emocionada. Apesar de Daniele ainda ser uma criança, ela está ciente dos acontecimentos. A mãe e a irmã mais velha, no entanto, tentam protegê-la de qualquer exposição ou de novos traumas, por isso evitam falar sobre o crime ou o processo envolvendo Gildo na frente dela.

Hoje a família de Maria Alice Seabra teme que o acusado conquiste junto à Justiça a liberdade provisória, através de um habeas corpus, por exemplo. "A gente tem certeza que ele viria atrás de nós. Acho até que ele mataria minha filha mais velha. Ele sabe que sem ela eu não teria cabeça para seguir com toda essa burocracia do processo. É ela que está sempre atenta para evitar que ele fique livre", destacou Dedé Arruda sobre Gildo Xavier. "Além disso, a gente não sabe mais quem ele é. Agora ele é o monstro que matou minha menina."

DETALHES DO CRIME - "O plano dele eram voltar para casa". Essa é a uma das poucas certezas que Dedé Arruda tem sobre o planos do ex-companheiro Gildo da Silva Xavier quando o assunto é a morte de Maria Alice. Segundo ela, aos poucos foi identificando situações que lhe mostravam um crime planejado com, pelo menos, dois meses de antecedência. "Ele vinha falando em levar Alice para uma entrevista no escritório da empresa em que trabalhava há muito tempo. Alugou o carro, disse no emprego que precisava sair mais cedo porque a enteada tinha sofrido um acidente e ficou descontrolado quando eu esqueci o telefone em casa no dia do crime", enumerou a mãe da vítima.

As promotoras disseram que pela brutalidade do crime, era como se ele fosse uma onça em cima da carniçaDedé Arruda, mãe de Maria Alice

Para Dedé Arruda, no dia do crime, o objetivo de Gildo era praticar o estupro, assassinar, esconder o corpo da jovem e voltar para casa. O fato de a esposa ter saído sem o celular e ter ligado um número diferente durante a prática do crime teriam atrapalhados seus planos. "Saí sem meu telefone, liguei do de outra pessoa, ele atendeu e ficou muito bravo por eu não ter atendido as ligações dele. Foi nesse momento que ouvi os gritos de Alice. Ele queria voltar para casa e dizer que tinha deixado ela no local da falsa entrevista de emprego. Quando fosse dar por falta dela ele estaria em casa, ao meu lado. E pior, quando achassem o corpo já não daria para saber quem fez aquilo com ela. Eu ia continuar vivendo com o assassino da minha filha", detalhou Dedé, como se revivesse os momentos de pânico dentro da sua cabeça.

ANTES DA MORTE DE MARIA ALICE - De acordo com Dedé Arruda e Angélica Seabra, o comportamento de Gildo com as mulheres da família sempre foi de muito ciúme e protecionismo, inclusive com as próprias mãe e irmã do acusado. O histórico fazia com esse tratamento com Maria Alice - que criou desde os quatro anos de idade - e com a companheira não causasse estranhamento. As duas contam, inclusive, que apesar da jovem e ele terem seus atritos, ela o respeitava, aceitava suas ordens. "Ela fazia as unhas dele no domingo. Ele até evitava entrar no quarto das meninas se elas estivessem dormindo", disse a mãe da vítima, que estava casada com Gildo há 15 anos.

Maria Alice Seabra vivia em conflito com o padrasto

Maria Alice Seabra vivia em conflito com o padrastoFoto: acervo pessoal

RELEMBRE O CASO - Em junho de 2015, Maria Alice Seabra, 19 anos, havia saído de casa após conflitos com o padrasto. Ela estava morando na casa da irmã mais velha, embora preferisse dizer a Gildo que estava passando um tempo com um tio. Com a promessa de levá-la a uma entrevista de emprego, ele buscou a jovem em casa usando um carro alugado. No caminho do suposto compromisso, Gildo espancou, drogou, violentou e matou a enteada.

O corpo da jovem foi encontrado cinco dias após o sequestro, num canavial em Itapissuma, na Região Metropolitana do Recife. Preso, Gildo confessou os crimes alegando um "desejo sexual" pela jovem como motivo do crime. Perícias realizadas pelo Instituto Médico Legal (IML) comprovaram que a mão esquerda de Maria Alice Seabra foi decepada pelo padrasto com o auxílio de um instrumento contundente pesado, como um machado ou facão. Gildo nega ter sido autor da mutilação. A delegada Gleide Ângelo foi responsável pela investigação. O acusado aguarda julgamento no Presídio de Igarassu, também no Grande Recife.

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