Relatos

Quando a dignidade está além do nome

Cássio Oliveira
Cássio Oliveira
Publicado em 24/02/2016 às 19:56
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Daqui em diante, apenas Nicole Santos e Natasha Amanda as identificam, tanto socialmente, quanto no papel, em documentos oficiais, a exemplo do Registro Civil, CPF e RG / Foto: Inaldo Menezes/ Divulgação

Daqui em diante, apenas Nicole Santos e Natasha Amanda as identificam, tanto socialmente, quanto no papel, em documentos oficiais, a exemplo do Registro Civil, CPF e RG Foto: Inaldo Menezes/ Divulgação

Durante anos elas tiveram dois nomes. Um civil, ao qual foram registradas, e outro social, escolhido e adotado por ambas a fim de representar quem de fato eram. “Os únicos que me chamam pelo meu nome civil são meus pais”, afirmou Nicole Santos, 38 anos. Já para Natasha Amanda, 24, trata-se de uma questão de dignidade. “Sempre me vi e me senti mulher, é justo que nos meus documentos eu também seja assim, mulher”, desabafou.

A tão sonhada aprovação da alteração do registro civil ocorreu no final do ano passado quando a justiça divulgou parecer favorável à mudança. “Quando soube da notícia comemorei bastante, fiquei sem acreditar de tão feliz”, comentou Nicole. O resultado foi fruto do trabalho desenvolvido pelo Centro de Referência LGBT do Recife, da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, Gerência de Livre Orientação Sexual (GLOS), em parceria com a Defensoria Pública de Pernambuco. “Agora é aguardar os trâmites jurídicos para posteriormente elas irem ao cartório efetivar à alteração dos nomes”, explicou a advogada do Centro, Giselli Belo.

O interesse pela ‘Retificação de Prenome e Sexo no Registro Civil’, como é intitulada a causa no âmbito judicial, não se restringe a Nicole e Natasha. Elas foram as primeiras, entretanto, outra leva de mulheres trans aguardam ansiosas a análise dos seus processos pelo judiciário.

“Em 2015, após reuniões com a Defensoria Pública, realizamos dois mutirões onde encaminhamos 21 processos de alteração do nome civil e sexo. Ainda no mesmo ano, algo bastante célere em se tratando de processos judiciais, conseguimos duas aprovações. Continuamos acompanhando os casos de perto e certamente em breve teremos a felicidade de divulgarmos novos pareceres favoráveis a mudança”, detalhou o Coordenador do Centro Municipal de Referência em Cidadania LGBT, Ricardo Omena.

Ainda de acordo com Ricardo alguns detalhes ajudam a compreender melhor como funciona todo o processo de mudança de nome intermediado pelo Centro. “Lidamos com mulheres e homens trans. Pegamos todo o histórico de documentos dessas pessoas, subsídios que comprovem a utilização de fato do nome social, até mesmo redes sociais. Feito isso, em diálogo com a Defensoria Pública encaminhamos os casos à justiça e acompanhamos todo o processo, fornecendo apoio jurídico, psicológico e social", explicou. Vale salientar que a alteração restringe-se ao prenome, mantendo-se o sobrenome dos indivíduos, e ao sexo, pois Nicole e Natasha terão feminino nos documentos a partir de então.

Questões como preconceito, machismo, discriminação, conservadorismo e falta de informação representam óbices no tocante aos direitos e possibilidades das pessoas trans. Como exemplifica Natasha. “Nem sabia que existia a chance de alterar meu nome civil até conhecer o Centro de Referência. Até uma amiga apostou comigo que só ia conhecer o trabalho do Centro se eu conseguisse mudar meu nome. Agora que consegui outras também vão se interessar”. Ela completa: “Também já tive algumas oportunidades de trabalho encaminhadas pelo Centro LGBT mas sempre acabo sendo dispensada. Acredito que pelo preconceito por eu ser trans”.

Afora a mudança de nome outros serviços destacam a atuação do Centro LGBT em prol da efetivação da dignidade e equidade de direitos das pessoas trans. A inserção dessa camada da sociedade no programa emprego e renda da PCR, bem como a realização de formações voltadas aos profissionais dos postos de saúde no intuito dos mesmos respeitarem a identidade de gênero e utilização do nome social, item previsto em lei federal.

O mesmo serve para as universidades e faculdades que utilizam as chamadas em sala de aula onde a não adoção e compreensão envolvendo o uso do nome social pode constranger e humilhar. Esse diálogo junto à área acadêmica está em curso, segundo o Coordenador do Centro, Ricardo Omena.

“Essa é uma conquista de todas e todos nós. Centro LGBT, Gerência de Livre Orientação Sexual (GLOS), ao qual somos vinculados, SDSDH/PCR, e dessas mulheres trans tão merecedoras. A primeira de muitas. Em maio ocorrerá o nosso terceiro mutirão de retificação de prenome e sexo. Divulgaremos maiores detalhes como local e data em breve”, finalizou Ricardo.

Foto: Foto: Inaldo Menezes/ Divulgação

SERVIÇO - 
O Centro Municipal de Referência em Cidadania LGBT é o órgão responsável por empoderar e garantir os direitos da comunidade LGBT na cidade do Recife. Tornou-se referência em políticas públicas para o segmento devido à promoção e realização de ações afirmativas, inovadoras e pioneiras. Em 29 de agosto deste ano completa dois anos de existência e atuação.

Possui, ao todo, 391 usuários desde a sua implementação. Exerce importante papel de articulador de uma rede de proteção e garantia de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, minimizando assim as vulnerabilidades a que estão submetidos os cidadãos destes segmentos.

A equipe do Centro é interdisciplinar composta por assistente social, advogado, psicólogo, assistentes em Direitos Humanos, técnicos, dentre outros profissionais. Funciona das 08h às 17h, de segunda a sexta. Os atendimentos são realizados no formato presencial ou pelo telefone (81) 3355-3456.

Destaque para iniciativas como o Casamento LGBT; Mutirão Emprego e Renda; a Oficina “Diversidade Sexual e Gênero para Profissionais de Saúde” e o ENEM para Todxs: A diversidade ultrapassando barreiras, realizadas pelo Centro ao longo de 2015.

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