Mais de 224 famílias moravam no Residencial Eldorado, no Arruda Foto: Lorena Barros/Especial para o NE10
O sol mal tinha nascido naquela sexta-feira, dia 24 de maio de 2013, quando no Conjunto Residencial Eldorado, localizado no bairro do Arruda, Zona Norte do Recife, a vida de mais de 224 famílias mudou drasticamente: por volta das 7h, um dos 14 blocos do residencial rachou de cima a baixo. Após a constatação de que todos os prédios corriam o mesmo risco, o local foi desabitado.
Hoje, quase dois anos depois, o fantasma do conjunto está presente não só na Rua da Regeneração - onde a movimentação de pessoas diminuiu e só um grupo de seguranças guarda os edifícios, que continuam “em pé” -, mas também em lares separados de muitos que tinham realizado o sonho de comprar uma casa própria e hoje vivem com auxílio-aluguel que varia entre R$ 1.200 e R$ 1.600, sem saber quando poderão respirar aliviados por estar de volta em um local só seu.
A construção do condomínio foi finalizada em 1996. Por ter um preço acessível, o Eldorado foi a primeira moradia própria de muitos. No dia 30 de maio de 2013, uma semana após o ocorrido, a gerência de risco tecnológico da Secretaria Executiva de Defesa Civil (Sedec) afirmou que a utilização de material de baixa qualidade na construção do residencial foi o motivo do colapso de um dos blocos. Ainda segundo a Sedec, um laudo divulgado em 2007 afirmava que os blocos de alvenaria na base dos prédios não tinham resistência suficiente e precisavam passar por uma reforma. Os moradores afirmam não ter recebido nenhuma notificação do risco que corriam.
As rachaduras começaram nos apartamentos de terminação “01” do bloco A1. O A1301, no último andar, onde o estudante Luiz Henrique Oliveira da Silva morava há 17 anos, foi um dos mais afetados pelas fendas. Henrique tinha acabado de acordar quando ouviu dois fortes barulhos e viveu uma cena aterrorizante: “ao ouvir os estalos só pensei na minha mãe, nos abraçamos e vimos tudo se rachar, a porta da varanda caiu no chão, parte do piso se abriu, foi assustador”, afirma. Ele morava com a mãe, que na época tinha 49 anos e não retirou nenhum pertence além dos documentos pessoais de casa.
No bloco A2, conjugado com o A1, era possível perceber que algo estava errado quando passos apressados desciam as escadas: “eu escutei muito movimento, as pessoas desciam rápido, achava que alguém com um problema sério de saúde estava sendo socorrido (...) quando cheguei na varanda vi que meu vizinho estava entrando no carro e disse ‘desça que o prédio está rachado de cima a baixo’”, foi nesse momento que a funcionária pública Mércia Cristina da Silva Machado, que morava no A2303 e não tinha ido trabalhar naquela sexta-feira, foi informada do incidente. Só ao descer as escadas ela percebeu o tamanho da destruição: “quando a cheguei lá embaixo os moradores do A1 estavam desesperados, chorando, o prédio estava rachado da varanda do terceiro andar até o térreo”.
“Compramos nosso apartamento em fevereiro de 95, quando o prédio já estava em pé e em fase de acabamento, entramos em 1996 e saímos de lá em 2013. Há dois anos que a caixa paga o mesmo valor de auxílio-aluguel, sem reajustes”, lembra Paulo Roberto Machado, marido de Mércia e um dos primeiros síndicos do residencial.
A movimentação nas redondezas do edifício está claramente menor quase dois anos depois da desocupação dos apartamentos. Além das rachaduras aparentes no bloco A1, alguns outros blocos estão sem janelas e grades (roubadas por invasores) e o mato é alto em alguns pontos. Segundo os seguranças que guardam o condomínio – que não quiseram se identificar -, as condições do local estavam piores antes deles chegarem, há mais de um ano. Eles afirmam, ainda, que por um curto período entre a desocupação dos apartamentos e a alocação da segurança particular para o local houve alguns casos de assalto na região, que diminuíram após o registro das ocorrências e o aumento de policiamento.
A violência decorrente da falta de movimento na região foi diminuída; o prejuízo nas vendas, porém, ainda pesa para os comerciantes da área. Dono de uma venda a menos de 100 metros do Eldorado há 13 anos, o comerciante Silvério Brandão viu a movimentação de a sua loja diminuir em 70%. Além de cortar o espaço físico do seu comércio pela metade, ele reduziu o quadro de funcionários. Questionado sobre a possibilidade de o terreno do residencial ser reaproveitado, Silvério não mostra esperança: “isso já aconteceu com outros condomínios, que continuaram da mesma forma e ainda estão desabitados, nem botam abaixo nem indenizam ninguém, eu já não posso mais contar com esse lucro, aqui a prefeitura só aparece pra sinalizar o meio fio e varrer a calçada”.
Segundo um dos advogados da causa, Carlos Frutuoso, o processo tramita na justiça para que a SulAmérica Seguradora indenize os moradores para comprar uma casa nova ou para que um valor compatível seja levantado para a recuperação dos imóveis: “Quem está sendo processado é a seguradora, que garantiu que o empreendimento era viável e que estava em condições de habitação”, afirma o advogado. Ele afirma também que o processo está chegando à fase de sentença, mas ainda assim não tem uma previsão concreta para que a indenização seja recebida, pois, a seguradora ainda poderá recorrer caso seja condenada. A reportagem não conseguiu contato com a seguradora.
Para as famílias que tiveram a vida marcada pela perda de suas casas, os trâmites legais são demorados e a incerteza de quando terão um lugar próprio de volta assola. Para o bairro do Arruda, o grande fantasma dos catorze blocos vazios continua sem solução.
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