Transexualidade

Fabianna (re)nasceu no Dia Internacional da Mulher

MARÍLIA BANHOLZER
MARÍLIA BANHOLZER
Publicado em 07/03/2015 às 18:03
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Fabianna Mello nasceu menina no corpo de menino e deu um novo rumo à sua história. Fotos: Luiz Pessoa/NE10

Ela é pernambucana e tem 35 anos, mas “nasceu” no dia 8 de março de 2003, doze anos atrás, em Barcelona, na Espanha. Já morou em diversos lugares do mundo, fala inglês, italiano, além do português. É dançarina e milita pelos direitos humanos. Fabianna Mello Oliveira é a típica mulher bonita, inteligente e independente. No entanto, luta todos os dias para poder ser aceita como a mulher que se tornou, já que veio ao mundo no “corpo errado”. Caçula de seis filhos de um casal, considerado por ela, conservador, Fabi, como é chamada pelos íntimos, nasceu menino e seguiu no corpo masculino até os 23 anos, quando se submeteu à cirurgia de mudança de sexo.

“Fiz o procedimento em Barcelona, numa clínica particular, por € 15 mil. Depois da cirurgia, ainda sob efeito dos anestésicos, liguei para minha mãe para dizer que o procedimento havia acabado. Ela perguntou se eu me sentia bem e quis saber se me lembrava que dia era aquele. Ainda meio tonta disse que não. Ela contou que era o Dia Internacional da Mulher e me deu os parabéns”, relembrou Fabianna, que conseguiu mudar seus documentos, perante a Justiça brasileira, em 2005.



Ser mulher, com M maiúsculo, não foi um capricho de um rapaz que não aceitava o seu corpo. Tratava-se de uma questão de saúde mental, autoestima, bem estar, felicidade. Trabalhando atualmente como assistente administrativa do Centro Estadual de Combate à Homofobia, ligado à Secretaria Executiva de Direitos Humanos de Pernambuco, Fabianna revela que hoje tenta ajudar “as meninas”, como ela chama as transexuais que buscam aconselhamento.

“Minha vida era de casa para escola, da escola para a igreja. Cheguei a estudar em colégio de padre. Não sabia que existia o mundo LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais). Descobri que tinha um saída para pessoas como eu [mulher no corpo de homem] quando vi a história da Roberta Close na TV. Depois disso eu vi que tinha jeito”, ressaltou Fabiana, que chegou a empunhar uma faca para tentar decepar o seu pênis.

Questionada sobre desde quando se sentia feminina, Fabianna não pensou duas vezes: “Desde que me entendo por gente. Quando tinha cinco anos as pessoas me confundiam com uma menina porque apresentava traços físicos e trejeitos femininos. Meu pai precisava explicar que eu era menino”, contou. Na adolescência, por volta dos 14 anos, a família da assistente administrativa a submeteu a uma testagem de hormônios para identificar o motivo de seus traços femininos. Na época, os pais dela disseram se tratar de um exame de rotina.


Foto: Luiz Pessoa/NE10 | Arte: Bruno Carvalho/NE10

Na mesma época, tentou namorar uma garota da escola para entender o motivo de seu comportamento incomum para os rapazes com quem convivia. Não deu certo. O “relacionamento” não completou uma semana. Um dos irmãos mais velhos levou o então rapaz para um prostíbulo, na expectativa de que um jovem viril desabrochasse. Também não funcionou. Irritado, o irmão de Fabianna exigiu que seu pai a expulsasse de casa, o que não aconteceu.

As confusões sobre a sexualidade do “garoto” seguiram até perto dos 18 anos. “Na saída da escola eu recebia cantadas. Eu já tinha o corpão, cabelão loiro, e ainda andava abraçada aos livros para esconder a falta dos seios. Eles me viam e não sabiam que eu era um menino”.  Segundo relato, um dos momentos mais marcantes em sua vida foi ser destratada por um rapaz com quem estava iniciando um relacionamento amoroso. “Pensei que ele sabia que eu não era operada ainda. Quando ele percebeu foi algo bem feio”, lembrou ela com o olhar triste. Desta época, a pernambucana não guardou recordações como fotos: “Mandei rasgar todas”, contou aos risos.

Mas a vida de Fabianna ganhou um novo rumo depois que saiu do Brasil. “Passei dois anos morando com minha irmã nos Estados Unidos para estudar inglês. Lá me maquiava, vestia roupas femininas, saía com rapazes. Quando voltei, trouxe as roupas de mulher para casa. Foi o momento em que tive que dar o meu grito de liberdade. Assumi para minha família toda. Meus pais sofreram um choque, mas me aceitaram porque me amam”, revelou.

Depois da recuperação a primeira coisa que fiz foi colocar uma calcinha branca e ir para frente do espelhoFabianna Mello
(TRANS)FORMAÇÃO – Os primeiros passos para assumir a identidade feminina foram o tratamento à base de hormônios e a implantação das próteses de silicone. No entanto, foi durante uma viagem para a Itália que Fabianna Mello conheceu uma transexual que havia se submetido à cirurgia de mudança de sexo. Curiosa, pediu para ver o resultado e decidiu buscar o mesmo caminho. Trabalhando na Europa conseguiu poupar a quantia de € 15 mil (cerca de R$ 49.500) para se submeter à cirurgia de redesignação de gênero. Dolorosa, a recuperação incluiu o uso de cinco sondas, e de vibradores de acrílico que foram introduzidos na vagina para evitar que o novo canal vaginal se fechasse. “O médico disponibilizava morfina para o caso de dor. Algumas amigas minhas usaram. Eu não precisei porque achei que era suportável. Acho que estava tão feliz, tão empolgada, que não senti tanta dor”, explicou Fabianna. Com essas interferências no seu corpo “original”, a dançarina  vive sem arrependimentos e feliz com sua condição de representante do gênero feminino. Ela agora almeja construir uma família e adotar uma ou duas crianças.

CORPO DE MULHER – O que pode ser considerado banal para a maioria das mulheres, ter um corpo bonito e feminino foi o “troféu” para o que Fabianna considera uma vitória. “Depois da recuperação, a primeira coisa que fiz foi colocar uma calcinha branca e ir para frente do espelho”, contou saudosa. Sua primeira relação sexual num corpo totalmente feminino também foi marcante. Ela preferiu não contar para o parceiro que se tratava de uma transexual. Ele não percebeu. Desconfiou apenas porque Fabianna tinha muitas amigas transexuais e questionou-a sobre o assunto. Ela explicou e ele ficaram juntos por seis meses. A dançarina e assistente administrativa se define muito vaidosa. Unhas feitas todas as semanas, sempre no salto alto, peeling no rosto e no corpo, cremes hidratantes. Frequenta a academia sempre que pode. “Tenho celulite e se não me cuidar como toda mulher fico com os músculos flácidos. Minha produção de hormônio é como a de qualquer outra. Depois da cirurgia não tenho tanta produção de testosterona como a de um homem”.


Sempre maquiada e no salto alto, Fabianna admite ser uma mulher muito vaidosa

Conseguir emprego, ter um relacionamento, ainda é tudo um pouco mais complicado para Fabianna. Mas ela não baixa a cabeça. “Sou mulher como qualquer outra. Não sou mais nem menos. Só não posso ter filhos biológicos, gerados no meu ventre, mas quantas também não podem? Sou apenas uma mulher que precisou sofrer um pouco mais”, resumiu Fabianna, que costuma usar uma frase da escritora Simone de Beauvoir: "Não se nasce mulher. Torna-se mulher."

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