Projeções econômicas

Copom prevê cenário sombrio, mas analistas acreditam que documento está desatualizado

Júlio Cirne
Júlio Cirne
Publicado em 12/03/2015 às 22:25
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Texto considera dólar a R$ 2,85 enquanto câmbio já passou de R$ 3,10 / Foto: Ilustração

Texto considera dólar a R$ 2,85 enquanto câmbio já passou de R$ 3,10 Foto: Ilustração

Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada nesta quinta-feira (12), o Banco Central previu um cenário sombrio para a economia este ano, indicando que os juros vão continuar a subir para conter a inflação persistente. Mesmo após ter elevado a taxa básica de juros para seu maior nível dos últimos quatro anos — 12,75% ao ano — o colegiado considerou que os avanços no combate à inflação "não se mostram suficientes". No documento, o BC indicou os fatores que pressionam a inflação, como a previsão de reajuste das tarifas públicas para 2015, que subiu de 9,3% para 10,7%, com destaque para energia, cuja previsão de alta subiu de 27,6% para 38,3%.

“Entre outros fatores, essa projeção [de aumento das tarifas] considera a hipótese de variação de 8% no preço da gasolina, em grande parte, reflexo de incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e do PIS/Cofins; de 3,2% no preço do gás de bujão; de -4,1% nas tarifas de telefonia fixa; e de 38,3% nos preços da energia elétrica, devido, em grande parte, ao repasse às tarifas do custo de operações de financiamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), contratadas em 2014”, diz a ata.

O BC retirou do texto um trecho publicado na ata de janeiro com avaliação de que os preços entrariam em "longo período de declínio" ainda este ano, mostrando que já não crê em uma queda mais rápida da inflação. A instituição projeta, para o conjunto dos preços administrados por contrato e monitorados, variação de 5,2% em 2016, ante 5,1% considerados na reunião de janeiro. Em outra alteração, o BC destaca que as decisões do comitê serão tomadas visando a convergência da inflação para o centro da meta (4,5%) sem a expressão "no próximo ano", como era anteriormente.

Ainda assim, para alguns analistas, a ata está desatualizada, porque não levou em conta alguns fatores, como o câmbio, que chegou a R$ 3,10, enquanto o o cenário de referência usado pelo Banco Central foi o dólar a R$ 2,85.

"Ao ler a ata, peguei-me perguntando, nesta manhã, se o BC, por erro ou dolo, não tinha simplesmente republicado a ata de janeiro", disse o economista Alexandre Schwartsman.

Fábio Silveira, da GO Associados, também citou o câmbio, além dos reajustes de tarifas, como razões para a alta dos juros. Ele destacou que a desvalorização do real encarece diversos produtos e, com inflação alta, economia fraca e juros elevados, corre-se risco de uma recessão.

"Corremos o risco de mergulhar em uma profunda recessão, por causa da alta dos juros, que vem ocorrendo desde o ano passado", disse Silveira.

Para o professor de finanças da Fundação Getúlio Vargas, Samy Dana, o Copom não acompanha os fatos que vêm surgindo na economia. Há problemas políticos, como o embate PT x PMDB que, segundo ele, parecem ter sido ignorados. A situação ainda se agrava mais pelo câmbio, acrescentou.

"O que a gente olha, por exemplo, é o juro embutido nos títulos públicos. Hoje, já há juros prefixados acima de 13%", comentou Dana, que acredita em uma nova alta da Selic na próxima reunião do Copom.

A economista-chefe da Rosernberg Associados, Thaís Zara, também avalia que pioraram as expectativas para reajustes de preços administrados em 2015. Ela observou que, embora a projeção de inflação para este ano tenha subido em relação à expectativa anterior, a boa notícia é que há perspectiva de melhora em 2016.

Thaís Zara ressaltou que, a exemplo do que vem ocorrendo no relatório Focus - pesquisa semanal que o BC faz com as principais instituições de mercado - a inflação preocupa cada vez mais a autoridade monetária. Enquanto isso, o mercado de trabalho dá sinais de arrefecimento.

"A ata dá a entender que, na próxima reunião, teremos mais uma alta de 0,5 ponto percentual", disse ela.

"O Copom ressalta que a evidência internacional, no que é ratificada pela experiência brasileira, indica que taxas de inflação elevadas geram distorções que levam a aumentos dos riscos e deprimem os investimentos. Essas distorções se manifestam, por exemplo, no encurtamento dos horizontes de planejamento das famílias, empresas e governos, bem como na deterioração da confiança de empresários. O Comitê enfatiza, também, que taxas de inflação elevadas subtraem o poder de compra de salários e de transferências, com repercussões negativas sobre a confiança e o consumo das famílias. Por conseguinte, taxas de inflação elevadas reduzem o potencial de crescimento da economia, bem como de geração de empregos e de renda", afirma a ata.

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