A mulher e a lei

A ameaça de morte levada a sério

Por Gleide Ângelo
Por Gleide Ângelo
Publicado em 26/03/2018 às 13:33
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Delegada revela que, antes de cometer o feminicídio, o agressor já deu diversos sinais de que iria matar a mulher / Foto: Heudes Régis/ JC Imagem

Delegada revela que, antes de cometer o feminicídio, o agressor já deu diversos sinais de que iria matar a mulher Foto: Heudes Régis/ JC Imagem

No artigo de hoje falarei sobre o crime de ameaça, que muitas vezes é considerado um crime "pequeno", sem importância. Há casos em que as pessoas não se conhecem, discutem e no meio da confusão dizem, "vou te matar", e vão embora, sem nunca mais se encontrarem. Esse não é contexto da ameaça na Lei Maria da Penha. Diferente dos casos que ocorrem entre pessoas desconhecidas, em uma relação íntimo afetiva a ameaça de morte é muito grave. A vítima e o agressor convivem, e com o aumento do ciclo da violência, o que inicialmente era apenas uma ameaça, pode evoluir para um feminicídio. Por isso que digo que o feminicidio é um crime anunciado, que pode ser evitado. Antes de cometer o feminicídio, o agressor já deu diversos sinais de que iria matar a vítima.

Todos os dias o meu pai dizia que iria matar a minha mãe, mas não acreditávamosJuliana, 18 anos

A jovem Juliana (nome fictício) que hoje tem 18 anos viu o seu mundo desabar quando o seu pai Geraldo (nome fictício) matou a sua mãe Liliane (nome fictício) com um disparo de arma de fogo na cabeça. Na época do crime, Liliane tinha apenas 14 anos e foi testemunha de toda a tragédia provocada pelo seu pai, e ela relembra, "meu pai sempre teve muito ciúme da minha mãe. Ela não podia mais conversar com as amigas e também não ia mais à casa dos meus avós, pois meu pai não deixava. Ele nunca havia batido na minha mãe, só ficava ameaçando, dizendo que se ela saísse sem a autorização dele, ele a mataria. Mas nós nunca acreditamos nas ameaças dele".

Durante toda a conversa que tive com Juliana, o que aconteceu com a mãe dela, Liliane, é o mesmo que ocorreu com a maioria das mulheres que foram vítimas de feminicídio, elas nunca acreditaram que o agressor seria capaz de matá-las. A crença de que o agressor irá mudar, faz com que muitas mulheres passem diversos anos sofrendo violência, sem força e coragem para mudar. A vítima acredita que o homem amoroso que ela idealizou, que ela sempre sonhou, um dia surgirá de dentro do agressor. Na esperança de que esse sonho se realize, o tempo vai passando, a violência vai aumentando, e infelizmente, a morte vai chegando. É isso o que observamos na história de Liliane.

Faz quatro anos que ocorreu o crime, mas Juliana lembra de cada minuto daquele fatídico dia. Ela narrou, "toda vez que meu pai brigava com minha mãe por causa de ciúmes, ela me dizia: já me acostumei com ele, não me importo mais. O que eu achava estranho é porque o meu pai ficava procurando motivos para brigar com minha mãe. Até do sal da comida ele reclamava, mas ela nem ligava mais. Os meus avós ficavam tristes porque a gente não ia mais à casa deles. Quando eu dizia a minha mãe que estava com saudades dos meus avós, ela sempre respondia a mesma coisa: o seu pai vai ficar aborrecido, é melhor não irmos".

Analisando toda a história de Liliane, a conclusão que chego é que ela preferia fazer tudo o que Geraldo queria para não aborrecê-lo. Essa é a maior forma de dominação do agressor, ele controla a vítima pelas ameaças. Com isso, a mulher vai se isolando e obedecendo a todos os comandos do agressor. No dia em que ela desobedecer, a violência vai aumentando e evolui para a violência física. Foi justamente o que aconteceu com Liliane, ela desobedeceu aos comandos de Geraldo.

Um dia que jamais será esquecido por Juliana, que conta como tudo ocorreu, "meu pai nunca bateu na minha mãe, mas vivia ameaçando ela de morte. Eu queria muito ir na casa dos meus avós, mas meu pai não deixava, dizia que eles viviam se metendo na nossa vida. Pedi tanto, que minha mãe foi comigo na casa dos meus avós. Fomos depois do almoço e eu não queria mais voltar. Quando deu 18hs, meu pai começou a telefonar para mim, querendo saber onde a gente estava, e disse que estava com minha mãe na casa dos meus avós. Ele começou a gritar, mandando a gente voltar, mas eu disse que não queria voltar e desliguei. Minha mãe ficou com muito medo, e me pediu para voltarmos para casa. Fui contra a minha vontade, não queria votar para casa".

Elas voltaram para casa por volta das 19hs, e Juliana relembrou, "quando abri a porta, meu pai começou a gritar com a gente. Fiquei assustada, pois nunca vi meu pai daquele jeito. Ele começou a dizer um monte de nome feio com a minha mãe e quebrar as coisas, foi horrível. Minha mãe começou a chorar e disse ao meu pai que não iria mais se afastar dos meus avós. Quando ela disse isso, meu pai foi para o quarto e fiquei na sala com a minha mãe, a gente chorava muito. Meu pai retornou do quarto com um revólver nas mãos, começamos a gritar pedindo socorro, mas não deu tempo, ele deu tiro na cabeça da minha mãe que caiu. Corri para socorrer a minha mãe e o meu pai fugiu. Gritei muito, até os vizinhos chegarem para socorrer minha mãe, que já chegou morta no hospital".

Uma grande tragédia que foi cometida por Geraldo quando Liliane disse que não iria mais obedecer aos seus comandos. Liliane vivia sob violência psicológica, ameaçada, fazia tudo o que Geraldo mandava, por isso que o ciclo da violência na evoluía. Quando ela deu um basta e disse que não iria mais obedecê-lo, que iria visitar os seus pais, Geraldo aumentou a violência e a matou. Na verdade, o agressor domina a vitima pelo medo. Se ela fizer o que ele quiser, nunca será espancada, mas se não fizer será espancada e morta. É dessa forma que eles usam a ameaça de morte, com a finalidade de cumprir, caso a vitima não o obedeça.

Juliana concordou com o que eu disse e terminou a entrevista dizendo, "por muito tempo me senti culpada pela morte da minha mãe. Se eu não tivesse insistido para ela ir comigo à casa dos meus avós, talvez o meu pai não tivesse a matado. Mas, depois de anos de terapia descobri que a culpa da morte da minha mãe não é minha, é do meu pai, um assassino". Hoje, Geraldo está preso, foi condenado no júri popular e irá cumprir 19 anos de prisão. Juliana está morando com os avós e tentando reconstruir sua vida sem a presença de Liliane. Um crime bárbaro, cruel e que poderia ter sido evitado, caso Liliane tivesse acreditado nas ameaças de morte de Geraldo e requerido as Medidas Protetivas de Urgência.

Amiga, se você está sofrendo ameaça de morte por seu companheiro, não fique esperando a ameaça se concretizar. Em Pernambuco no ano de 2017 foram registrados 13.003 boletins de ocorrência do crime de ameaça por violência doméstica. Quase 40% de todos os boletins de ocorrência, foram do crime de ameaça. Isso se deve a conscientização das mulheres, que estão observando que quem ameaça, mata. Não fique esperando o agressor concretizar a ameaça, procure uma delegacia de polícia e denuncie. Da mesma forma que eu te digo que QUEM AMA NÃO MATA, eu te digo, QUEM AMEAÇA, MATA !

VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHA!

EM QUAIS ÓRGÃOS BUSCAR AJUDA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:
» Centro de Referência Clarice Lispector – (81) 3355.3008/ 3009/ 3010
» Centro de Referência da Mulher Maristela Just - (81) 3468-2485
» Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon - 0800.281.2008
» Centro de Referência Maria Purcina Siqueira Souto de Atendimento à Mulher – (81) 3524.9107
» Central de atendimento Cidadã pernambucana 0800.281.8187
» Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal - 180
» Polícia - 190 (se a violência estiver ocorrendo) - 190 MULHER

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