A mulher e a lei

Quando o agressor quer o sofrimento: ele matou o cão de estimação dela

Por Gleide Ângelo
Por Gleide Ângelo
Publicado em 05/03/2018 às 7:34
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Homens violentos, com a personalidade homicida, tem o prazer em matar e em ver o sofrimento do outro / Foto: Heudes Régis

Homens violentos, com a personalidade homicida, tem o prazer em matar e em ver o sofrimento do outro Foto: Heudes Régis

No artigo de hoje falarei sobre mensagens que recebo diariamente de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Analisando as mensagens, observo que elas são muito parecidas, mesmas histórias com personagens diferentes. Normalmente as histórias se iniciam com agressões verbais, isolamento das vítimas, agressões físicas, que podem evoluir para o feminicídio. Os agressores têm as características semelhantes: homens dominadores, possessivos, inseguros, violentos e descontrolados emocionalmente. Esse é o contexto geral das histórias que recebo. Mulheres que vivem há muito tempo nesse ciclo da violência, sem forças para romper a relação abusiva.

Mas, entre diversas mensagens recebidas, uma me chamou a atenção pela forma com que o agressor atingiu a mulher. Ele não a espancou, não a matou, mas atingiu algo que ela amava muito, o seu cachorro de estimação. A crueldade com que ele matou aquele animal, na verdade era uma transferência, cada facada que ele dava no cachorro, era como se estivesse dando na mulher. Uma covardia desmedida, que ocorreu na vida de Valéria (nome fictício), que até hoje chora a morte do seu amado animal chamado Toby.

As facadas que Toby levou doeram na alma de Valéria

A mensagem de Valéria teve início com a seguinte frase, "preferia que aquelas facadas fossem em mim". E foi exatamente essa frase que me chamou a atenção na narrativa. Valéria disse que se relacionou com Edgar (nome fictício) por cinco anos, onde existiram diversas brigas e conflitos, mas nunca houve agressão física. Valéria começou a narrar os fatos, "comecei a namorar com Edgar quando tinha 18 anos, e depois de um ano de namoro já estávamos morando juntos".

Eles moraram juntos por quatro anos, em meio a violência psicológica (ameaças), violência moral (xingamento, esculhambação), violência sexual (ter relações sexuais sem vontade, consentimento). Mas, como muitas mulheres, Valéria também achava que a violência era só a física, o espancamento. Ela explica, "Edgar sempre foi um homem muito agressivo, gostava de me menosprezar, dizer que eu era burra, que estava feia, gorda. Ainda dizia que minhas amigas não prestavam, que só viviam atrás de homem e que eu não podia me encontrar com elas. Com isso, se passaram quatro longos anos longe das minhas melhores amigas".

Continuando a narrativa, observei que Valéria até conseguiu se afastar das amigas, mas ela jamais se afastaria do seu cachorro Yorkshire de estimação, Toby. Valéria continuou, "quando Edgar me propôs ir morar com ele, disse que só iria se pudesse levar Toby, que era muito importante para mim, ele era como um filho, um companheiro. Edgar aceitou e fui com Toby morar com ele". No início, Valéria disse que nunca notou nenhum tratamento agressivo ou de desprezo em relação ao cachorro. "Pelo menos na minha frente ele nunca tratou Toby de forma agressiva. Pelo contrário, ele colocava o cachorro no colo, levava para passear, um tratamento acima de qualquer suspeita".

Com o tempo, a relação de Valéria e Edgar foi se desgastando, como ela explica, "com o tempo, fui cansando de tantas humilhações, indiferenças, rejeições e agressões de Edgar. No fundo, eu achava que em uma discussão mais forte, ele seria capaz de me bater. Edgar era muito agressivo e quando tinha raiva ficava todo vermelho, gritava muito, e isso me causava medo. Por isso decidi me separar e voltar com Toby para a casa do meus pais". Essa foi a decisão de Valéria, que se sentia humilhada por Edgar. Ela disse que conversou com os pais, que a aceitaram de volta.

Com a decisão tomada, Valéria chamou Edgar para conversar, ela lembra, "me recordo como se fosse hoje, chamei Edgar, sentamos na cama e comecei a relembrar toda a nossa relação, e fui mostrando todo o desgaste. Ao final, disse a Edgar que queria me separar dele e iria voltar para a casa dos meus pais. Nesse momento, Toby entrou correndo no quarto e pulou nos meus braços. Coloquei-o no colo, como se coloca uma criança e fiquei olhando para ele. Mas, o que me causou estranheza foi a reação de Edgar, ele não gritou, não disse nada, apenas ficou olhando para Toby e disse: ele está cada vez mais lindo, pode ir e sejam felizes, você e Toby". Diante daquela reação, Valéria disse que estranhou, mas achou que era isso o que Edgar também queria. Edgar pegou o carro e saiu, enquanto Valéria foi arrumar as malas para ir embora.

Quando Valéria terminou de arrumar as malas, Edgar retornou com uma faca peixeira nova. Valéria disse que se assustou, mas Edgar disse que era para cortar as carnes em um churrasco na casa do irmão. Edgar saiu do quarto e Valéria entrou no banheiro para tomar banho. Em seguida, ela trocou de roupa, pegou as malas e colocou no carro. Ela relembra, "depois que coloquei as malas no carro, fui a procura de Toby, chamei bastante e ele não aparecia. Fui até o quintal procurá-lo, e não o encontrava em canto nenhum. Foi quando Edgar apareceu e disse que tinha visto Toby pela última vez por trás de uma árvore no quintal. Quando cheguei lá, é até difícil me recordar dessa cena, meu amado Toby estava morto, esfaqueado, uma cena horrível, e desmaiei".

Quando Valéria acordou, estava em cima da cama com Edgar ao lado, e ela recorda, "quando acordei e vi Edgar não sabia o que estava acontecendo, achava que tinha tido um pesadelo, e fui logo perguntando a ele por Toby. Ele olhou para mim e disse: você não lembra? acabou de vê-lo atrás da árvore. Naquela hora, comecei a passar mal e saí correndo até o quintal e meu Toby estava lá, todo esfaqueado, uma tragédia, que não sei como explicar. Olhei para Edgar e perguntei porque ele não tinha me matado, sofreria menos com a minha morte, do que com a de Toby. Edgar olhou para mim e disse: foi exatamente por isso, se eu lhe matasse, você não sofreria, por isso matei o que você mais ama, esse cachorro".

É impressionante essa história, porém real. Homens violentos, com a personalidade homicida, que tem o prazer em matar, em ver o sofrimento do outro. Edgar era exatamente assim, um homem mau, que se contentava com o sofrimento de Valéria. No final da mensagem, Valéria disse que estava morando na casa dos pais e que não denunciou Edgar. Ela justificou dizendo que não teria condições de encontrá-lo em uma delegacia ou audiência. A perversidade de Edgar fez com que Valéria tivesse uma depressão, onde passou mais de um ano se tratando, sem conseguir sair de casa e sonhando todas as noites com a cena de Toby esfaqueado. Valéria terminou a mensagem dessa forma, "gostaria de falar para as mulheres que vivem com homens violentos que tenham cuidado. A violência dele um dia vai te destruir. Pensei que sofrer violência era apenas apanhar. Mas, vivi por cinco anos com um homem que nunca me bateu, mas me destruiu de uma forma, que preferia que ele tivesse me matado". Muito forte esse depoimento de Valéria, onde o agressor não quer a morte da mulher, quer o sofrimento.

Amiga, você deve estar chocada com o que leu, e eu também. Quando a gente pensa que já viu tudo na violência doméstica, surgem esses casos dignos de um filme de terror. Mas não ache que isso é algo raro. Tem muitos agressores que são iguais a Edgar, que matam a mulher de forma silenciosa, lentamente. As pancadas que eles dão são na alma, destruindo a mulher de uma forma sutil, lenta e silenciosa. Quando a mulher for enxergar, já está em cima de uma cama, com depressão, baixa auto estima, sem forças para viver.

Se você estiver vivendo uma relação abusiva, com um companheiro dominador e violento, não deixe esse relacionamento evoluir, rompa imediatamente esse ciclo da violência. Existem muitos agressores que são iguais a Edgar, destroem o bem mais precioso da mulher. E tem agressores que destroem a mulher, tirando-lhe a vida. Não espere para ver até onde ele vai. Não há nada a se esperar de relações abusivas, apenas dor, sofrimento e destruição. Se fortaleça, tome coragem e dê um basta. O primeiro passo te libertará do sofrimento e te levará para uma longa estrada de independência, amor próprio, conquistas, sonhos e realizações. Siga essa estrada, basta dar o primeiro passo, denuncie!.

VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHA!

EM QUAIS ÓRGÃOS BUSCAR AJUDA VIOLENCIA CONTRA A MUHER:
• Centro de Referência Clarice Lispector – (81) 3355.3008/ 3009/ 3010
• Centro de Referência da Mulher Maristela Just - (81) 3468-2485
• Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon - 0800.281.2008
• Centro de Referência Maria Purcina Siqueira Souto de Atendimento à Mulher – (81) 3524.9107
• Central de atendimento Cidadã pernambucana 0800.281.8187
• Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal - 180
• Polícia - 190 (se a violência estiver ocorrendo) - 190 MULHER

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