A mulher e a lei

Mulheres classe média também sofrem violência doméstica

Por Gleide Ângelo
Por Gleide Ângelo
Publicado em 18/12/2017 às 6:00
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A colunista está de recesso. As colunas voltam a ser atualizadas na segunda semana de janeiro de 2018.

A violência doméstica e familiar não tem classe social, idade, cor, religião. / Foto: Heudes Régis/ JC Imagem

A violência doméstica e familiar não tem classe social, idade, cor, religião. Foto: Heudes Régis/ JC Imagem

No artigo de hoje falarei sobre uma violência que atinge todas as classes sociais, a violência doméstica e familiar. É muito comum ver nas delegacias de polícia mulheres de classes sociais mais baixas, e com isso ter a falsa percepção de que a violência só atinge mulheres pobres. Isso não é verdade. A violência doméstica e familiar não tem classe social, idade, cor, religião, nacionalidade, ela está presente em todos os lugares. O que ocorre, é que as mulheres com menor poder aquisitivo buscam mais a delegacia de polícia. Elas não se preocupam com a imagem, com a exposição, elas só pensam em resolver o problema. Já nas classe sociais mais altas, há uma maior preocupação com a imagem, com a sociedade, com a exposição, e geralmente os casos são resolvidos na Vara de Família, onde já são propostas as ações de divórcio, divisão de bens e guarda dos filhos.

Já tomei conhecimento de diversos casos de violência doméstica e familiar com mulheres de classe média, onde algumas resolveram a questão na Vara de Família, outras continuaram no relacionamento abusivo, e poucas procuraram uma delegacia de policia. Hoje, vou falar de uma mulher que conheci e me narrou sua história de dinheiro, jóias, bebidas e muita agressão. Vamos falar de Amanda, nome fictício, que fez questão de me contar sua história para que a sociedade soubesse que não é só a mulher pobre que sofre violência.

PAGUEI UM PREÇO MUITO ALTO PELAS VIAGENS E PELAS JÓIAS, DIZ AMANDA.

O início do relacionamento de Amanda é como tantos outros, muito apaixonada e feliz porque encontrou o homem dos sonhos. Amanda é de uma família tradicional e se casou com Romero (nome fictício) também de família tradicional. Com oito meses de relacionamento eles se casaram. Foi um casamento onde toda a sociedade estava presente, com todo o luxo que uma cerimônia podia ter. Amanda conta, "Não tenho idéia do valor que foi gasto no casamento, mas sei que foi muito dinheiro, tudo da mais alta qualidade. Fui comprar o meu vestido em Paris, porque queria um modelo exclusivo".

Um lindo casamento, uma linda festa e tristes lembranças que fazem lágrimas rolar do rosto de Amanda, "a lua de mel foi em Genebra, na Suíça, em um dos hotéis mais caros do mundo. Nasci em uma família rica e sempre fui acostumada a uma vida luxuosa, a diferença é que agora eu tinha um esposo que iria continuar me dando muito luxo".

Amanda passou 15 dias em viagem de lua de mel com Romero e quando chegaram em casa, começaram os conflitos. Relembra Amanda, "assim que chegamos, a primeira coisa que ele me disse era que sairia com os amigos para revê-los. Fiquei um pouco chateada porque ele não me deixou acompanhá-lo. Mas o pior foi quando ele retornou, por volta das 05hs da manha, embriagado e com a roupa suja de batom e com cheiro de perfume feminino. Tive a certeza que ele passou a noite com mulheres".

Com esse episódio, Amanda disse que telefonou para os pais informando o que tinha acontecido, e escutou da mãe, "homem é assim mesmo, não se preocupe porque você é a esposa". Amanda disse que ficou decepcionada com o que a mãe falou e foi na casa dela falar com os pais. Quando chegou lá, o pai foi logo dizendo, "sabe quanto eu gastei nesse casamento para você vir com esses fricotes? deixe de ser mimada e vá ficar com o seu marido. Amanda disse que estava atordoada e olhou para a mãe, que lhe disse, "você acha que seu pai é uma santo? Já lhe disse, vá para casa porque você é a esposa".

Amanda narrou tudo isso com os olhos cheios de lágrimas, porque ali foi o início de uma série de agressões e espancamentos. Ela disse, "não sou como a minha mãe, não me contento em apenas ser a esposa, não conseguia aceitar isso. Quase todos os dias Romero saia com amigos e mulheres e só chegava muito tarde. Ele não conseguia sair do trabalho e ir para casa, é como se ele não tivesse casado. Com isso, comecei a cobrar dele uma postura de homem casado, e as brigas foram aumentando. No início eram gritos, que passaram para empurrões, e em pouco tempo eu já estava sendo espancada".

Em uma dessas agressões, Amanda ligou para os pais que foram à casa dela. Ela recorda, "quando meus pais chegaram eu estava caída ao chão com o olho roxo e meu pai me disse,o que você fez para ele fazer isso? e minha mãe completou, eu já disse a você que se você quiser continuar uma vida de luxo, tem que aguentar, não existe homem bom com muito dinheiro".
Esse dia foi a gota d' água para Amanda, "foi naquele momento que vi que não tinha o apoio dos meus pais, que eles queriam que eu continuasse casada, sendo traída, apanhando, mas que continuasse com um homem que tivesse muito dinheiro. Aquele dia foi o dia da minha decisão. Pedi que meus pais fossem embora. Quando eles saíram, coloquei minhas roupas em uma mala, peguei meus documentos e fui para um hotel, pensar no que iria fazer. A única coisa que tinha certeza, é que não queria mais aquela vida".

No dia seguinte, Amanda telefonou para uma amiga que lhe orientou a não procurar uma delegacia, porque seria um escândalo social. Disse que iria com ela até um advogado para pedir orientação. Elas foram ao advogado e ficou resolvido que tudo seria feito na Vara de Família, sem nenhum registro das agressões na delegacia para que Amanda não ficasse exposta perante a sociedade. Os pais de Amanda não concordaram com a decisão dela se separar oito meses após o casamento, mas mesmo assim ela fez.

Hoje, Amanda está morando na casa de uma tia que a apóia e diz, "o que mais me entristeceu nessa história não foram as agressões que sofri, mas a postura dos meus pais. Hoje consigo enxergar todo o sofrimento da minha mãe, só para se manter casada com o meu pai. Para eles e para muita gente que conheço, o dinheiro está cima de tudo, do respeito, do amor próprio. Não consigo entender como uma mulher é espancada pelo marido e ainda vive com ele. A dor de cada agressão, de cada grito vai dentro da alma e não há perdão, porque ela atinge o mais profundo do meu ser".

PORQUE AMANDA NÃO DENUNCIOU ROMERO À POLÍCIA?

E terminei perguntando a Amanda, porque ela não denunciou Romero na Delegacia? e ela prontamente respondeu, "porque meus pais jamais me perdoariam, eu deixaria de ser vitima para ser culpada. Eles iriam dizer que envergonhei o nome da família perante a sociedade e seria eternamente acusada por eles. Preferi sufocar essa dor e seguir a minha vida".

Quantas Amandas existem pelo mundo afora, vivendo em um mar de jóias e dormindo em lençóis de fios de ouro, porém sufocadas pela dor da humilhação, do desrespeito, do isolamento, da violência doméstica. Quantas mulheres são felizes em fotografias, redes sociais, em um mundo de aparências que se acaba quando se chega dentro de quatro paredes. Mulheres que foram criadas por famílias tradicionais para conservar o sobrenome, casar com homens ricos e viver feliz. Porém, há casos em que a felicidade é apenas de aparência, elas vivem verdadeiros tormentos dentro de casa e muitas não têm o apoio da família e de amigos para romper esse ciclo da violência.

As frases que Amanda ouviu dos pais são muito comuns na classe média/alta, "você sabe quanto custou sua festa de casamento?; se você se separar, o que os meus amigos vão dizer?; minha filha não vai para uma delegacia; você acha que também não aguento tudo isso do seu pai? ". Com isso, a mulher vítima de violência doméstica vai achando que precisa pagar com a violência, o alto preço da sua vida luxuosa.

Amiga, se você está passando por esse tipo de violência, eu te digo, você não precisa de jóias caras, viagens, roupa de grife para ser feliz. A sua dignidade não tem preço. O maior valor que você tem em sua vida é o respeito, o amor próprio, a dignidade. Não permita que ninguém te humilhe, te agrida. Procure relacionamentos saudáveis, onde teu parceiro te ame e te respeite. A tua vida, a tua liberdade não tem preço, e nenhum agressor pode comprar. Faça como Amanda, liberte-se e seja feliz!

VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHA!
EM QUAIS ÓRGÃOS BUSCAR AJUDA - VIOLENCIA CONTRA A MULHER:
• Centro de Referência Clarice Lispector – (81) 3355.3008/ 3009/ 3010
• Centro de Referência da Mulher Maristela Just - (81) 3468-2485
• Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon - 0800.281.2008
• Centro de Referência Maria Purcina Siqueira Souto de Atendimento à Mulher – (81) 3524.9107
• Central de atendimento Cidadã pernambucana 0800.281.8187
• Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal - 180
• Polícia - 190 (se a violência estiver ocorrendo) - 190 MULHER

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