A mulher e a lei

O que pensam as mulheres que denunciam e depois desistem

Por Gleide Ângelo
Por Gleide Ângelo
Publicado em 11/12/2017 às 6:02
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Delegada Gleide Ângelo conta que são diversos os motivos para uma mulher querer desistir depois de denunciar / Foto: Heudes Régis/ JC Imagem

Delegada Gleide Ângelo conta que são diversos os motivos para uma mulher querer desistir depois de denunciar Foto: Heudes Régis/ JC Imagem

No artigo de hoje falarei sobre diversas mensagens que recebo de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar que registram o boletim de ocorrência na delegacia de polícia e depois retornam querendo desistir do registro. Isso é muito comum no dia a dia de uma delegacia de polícia. São diversos os motivos que fazem uma mulher querer desistir depois de denunciar. É por isso que na Lei Maria da Penha vem descrito qual o procedimento para a mulher desistir. Mostrarei como é o procedimento e os motivos de três mulheres que me mandaram mensagens justificando o porquê da desistência.

3 mulheres e 3 motivos para desistir da denúncia

A primeira mulher, que chamarei pelo nome fictício de Marlene, me deu essa justificativa, "sofro violência doméstica há mais de dez anos. Sempre que meu marido bebe, me agride. Muitos espancamentos e muitos choros, até o dia em que tive coragem e fui a uma delegacia de polícia denunciar e pedir medidas protetivas. Mas, depois que denunciei, ele me procurou e prometeu que iria deixar de beber. Ele se transformou em outro homem, está me tratando bem e me respeitando. Por isso, quero retirar a queixa e dar mais uma chance a ele".

Na segunda história, chamarei a mulher pelo nome fictício de Joana. Em sua mensagem, Joana disse,"sempre fui muito apaixonada pelo meu companheiro, já fiz todo tipo de loucura para ficar com ele. Minha família se afastou de mim e ninguém fala comigo porque ele me agride, e minha família não aceita. O meu relacionamento tem seis anos e meu companheiro tem muito ciúme de mim, não me deixa sair sozinha. Quando faço o que ele não gosta, ele me bate. Há dois meses ele me bateu e meus vizinhos chamaram a polícia. Fomos à delegacia e tive coragem de denunciar. Ele pagou fiança e foi solto. Estou com medidas protetivas, mas não consigo viver longe dele. Ele me procurou e pediu perdão. Disse que estava com problemas no trabalho, por isso estava tão violento comigo. Saímos para jantar, tivemos uma linda noite de amor, até flores ele me deu. Dessa vez, tenho certeza que ele mudou. Já voltei a morar com ele e quero retirar a queixa e a medida protetiva. Dessa vez, tenho certeza que serei feliz".

E a terceira e última mensagem é de uma mulher que chamarei pelo nome fictício de Solange. Na mensagem, Solange escreveu, "sempre tive um casamento atribulado com muitas brigas e confusões. Tenho três filhos com o meu marido e ele sempre gritou comigo, me chamando de burra, gorda, feia, preguiçosa. Isso sempre me deixou magoada, mas nunca pensei em deixar o pai dos meus filhos com quem convivo há mais de quinze anos. Minha irmã nunca aceitou essa situação e sempre me incentivou a ir a uma delegacia para denunciá-lo e tirá-lo de casa. Na última briga, ele me empurrou na parede e liguei para minha irmã chorando. Ela me convenceu a ir em uma delegacia denunciar. Fui com ela e denunciei, além de pedir as medidas protetivas. Meu marido foi tirado de casa e fiquei com meus três filhos. Hoje estou me sentindo culpada de ter colocado meu marido na rua, longe dos filhos. Não sei se tinha esse direito. Ele já me pediu milhões de desculpas e quer voltar para casa. Já pensei muito e resolvi dar mais uma chance a ele. Sei que minha irmã nunca vai me perdoar, mas quero desistir da queixa e das medidas protetivas, e vou dar mais uma chance ao meu marido.

Não pode mais desistir da representação na delegacia

Para evitar que muitas mulheres registrem o boletim de ocorrência em um dia e desistam no outro, a Lei Maria da Penha, no art. 16 dispõe que "Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público".

Com isso, a mulher vítima de violência doméstica e familiar só poderá desistir da representação no judiciário. Isso é uma forma de proteger a mulher. Com essa audiência, perante o juiz, a mulher será indagada sobre os motivos pelos quais ela quer desistir. Também serão informados os riscos que ela corre de voltar para o agressor. Muitas mulheres são ameaçadas e coagidas a desistir da representação na delegacia, por isso que a Lei inseriu essa audiência no poder judiciário para que ela faça a desistência consciente e com a segurança de que é isso mesmo o que ela quer e não está sendo coagida.

O ciclo da violência

Nas três histórias narradas por Marlene, Joana e Solange observamos com muita clareza que as três estão inseridas no ciclo da violência. Esse ciclo começa com a tensão no relacionamento (brigas, gritos, xingamentos), em seguida evolui para a explosão da violência (empurrões, murros, puxões de cabelo, chutes) e depois a fase da lua de mel (arrependimento).

É exatamente isso o que vimos nas histórias, homens agressores que batem nas mulheres por muitos anos e que em seguida se arrependem, jurando mudanças e promessas de amor eterno. Quando a mulher perdoa e volta para ele, o ciclo começa novamente com a tensão no relacionamento, que evolui para nova explosão de violência e segue com um novo arrependimento. O grande perigo que a mulher corre é que em uma dessas explosões de violência, o agressor pegue uma faca ou uma arma de fogo e a mate.

Amiga, se você se identificou com alguma das três histórias, saiba que você está vivendo o ciclo da violência e que precisa ser rompido. A fase da lua de mel (arrependimento) que existe depois de todas as agressões irá passar e voltará a fase de tensão. Com o aumento dessa violência, você poderá ser uma vítima de feminicídio. Quantas chances Marlene, Joana e Solange já deram para os companheiros? Diversas, e continuam sendo vítimas da violência.

Você precisa dar uma chance para você. Não espere que o agressor mude, a mudança tem que vir de dentro de você. Dê uma basta na violência, rompa com esse ciclo perigoso da violência que só faz crescer. Tenha forças, denuncie e não desista. Quando uma mulher desiste da representação, ela está desistindo da sua liberdade, da sua felicidade. Siga em frente em busca de seus objetivos, você não precisa de agressor para ser feliz. O respeito, a dignidade e a auto estima são o suficiente para você alcançar a sua felicidade!

VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHA!

EM QUAIS ÓRGÃOS BUSCAR AJUDA - VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:

» Centro de Referência Clarice Lispector – (81) 3355.3008/ 3009/ 3010
» Centro de Referência da Mulher Maristela Just - (81) 3468-2485
» Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon - 0800.281.2008
» Centro de Referência Maria Purcina Siqueira Souto de Atendimento à Mulher – (81) 3524.9107
» Central de atendimento Cidadã pernambucana 0800.281.8187
» Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal - 180
» Polícia - 190 (se a violência estiver ocorrendo) - 190 MULHER

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