A mulher e a lei

"Não quero morrer, não sei o que fazer, preciso de ajuda"

Por Gleide Ângelo
Por Gleide Ângelo
Publicado em 04/09/2017 às 6:02
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Na coluna de hoje, a delegada Gleide Ângelo conta a história de mulheres que não conseguem dar um basta na violência / Foto: Heudes Régis/JC Imagem

Na coluna de hoje, a delegada Gleide Ângelo conta a história de mulheres que não conseguem dar um basta na violência Foto: Heudes Régis/JC Imagem

No artigo de hoje falarei sobre situações vivenciadas por muitas mulheres que sofrem violência doméstica: a de não saber qual caminho percorrer para dar um basta na violência. Nas minhas andanças conversando e conscientizando mulheres, gosto muito de conversar e observar qual o motivo daquela mulher se permitir ser tão humilhada e violentada. O conhecimento da motivação é o primeiro passo para que a mulher identifique o problema e consiga se libertar dessa doença chamada dependência emocional e desamor.

Porém, mesmo conhecendo o problema, a mulher vítima de violência doméstica precisa ter a consciência de que pode mudar a situação. E esse é o grande problema, muitas não conseguem. Há casos de mulheres que olham para mim, dizem que concordam com tudo o que eu estou dizendo, mas não conseguem deixar aquela relação conflituosa, sofrendo todo o tipo de violência. Um desses casos ocorreu com Gabriela (nome fictício), uma jovem de 21 anos de idade. Quando cheguei para dar a palestra para as mulheres, ela me abordou com um pedaço de papel dizendo que precisava muito falar comigo, e que no papel estava o nome e o telefone dela. Olhei para aquela jovem, linda e com os olhos cheios de lágrimas. No final, ela novamente correu atrás de mim, e pedi que ela esperasse porque eu conversaria com ela.

Meu pai sofreu um infarto por minha causa, disse Gabriela

Quando cheguei, Gabriela me abraçou e começou a chorar, compulsivamente, dizendo que não queria morrer e não queria matar o pai de desgosto. Fiquei muito preocupada com o que ouvi, pois o caso parecia extremamente grave. Gabriela começou a falar, "comecei a namorar com Breno (nome fictício) com 19 anos. Ele era muito ciumento. Ele me afastou das minhas amigas, da minha família. Comecei a brigar com meus pais, que não gostavam dele. Eu só enxergava ele na minha frente. Não conseguia mais estudar, só falava com quem ele deixava, eu estava completamente dominada por ele."

Pedi que ela continuasse, "Quando fiz 21 nos, disse aos meus pais que iria sair de casa e morar em um quartinho com Breno, e que ia deixar os estudos, que não queria mais fazer faculdade. Meus pais ficaram desesperados e chorando, mesmo assim fui embora. À noite recebi o telefonema do meu irmão dizendo que eu consegui o que queria, que meu pai teve um enfarto e estava morrendo. Fiquei desesperada, mas Breno não deixou eu ir ao hospital, disse que isso era invenção, chantagem emocional do meu pai para eu voltar para casa. Acreditei em Breno e não fui ver o meu pai."

Fiquei muito impressionada com a história e com o alto grau de violência e periculosidade de Breno. Um homem dominador, agressivo, insensível, que conseguiu controlar e dominar a vida de Gabriela. Nesse momento, Silvana (nome fictício), a tia de Gabriela chegou e foi logo dizendo, "delegada, dê uns conselhos a ela. O pai dela vai acabar morrendo. Aquele marginal agrediu ela, quase quebrou os braços dela de tanta pancada. Consegui que ela deixasse ele. Levei ela para minha casa, e Gabriela está morando comigo há uma semana. Fui com ela na delegacia, ela registrou um boletim de ocorrência, fez o exame traumatológico e pediu as medidas protetivas. Só que preciso que Gabriela continue firme na decisão, porque ela fica o dia todo me dizendo que tem medo que ele a mate, por isso talvez seja melhor voltar para ele. Na verdade, ela está querendo voltar para aquele bandido e fica criando desculpas. Por favor, dê uns conselhos a ela."

Ao ouvir aquele pedido de desespero de Silvana, que estava com receio de que Gabriela retornasse para o agressor, fiz uma ligação para o Centro de Referência da Mulher, conversei com a psicóloga e marquei um horário para Silvana levar Gabriela. Olhei para Silvana e disse que ela não ficasse culpando Gabriela. Ela estava fragilizada emocionalmente e precisava se fortalecer. O primeiro passo e mais importante ela já deu, a denúncia. Ela também já está com as medidas protetivas e Breno já foi cientificado que se descumprir, pode ser preso. Expliquei da importância do tratamento no Centro de Referência, porque Gabriela terá finalmente a consciência de que não precisa de um agressor, mas de um homem que a ame e a respeite.

Finalmente, e já ciente de que todas as providências foram tomadas, olhei para Gabriela e disse que a felicidade dela estava nas mãos dela, e que ela escolhesse ser feliz e respeitada. Com os olhos encharcados de lágrimas, ela disse, "eu entendi tudo. Prometo a senhora, a minha tia e aos meus pais que não vou mais fazer ninguém sofrer. Nunca mais meu pai vai adoecer por minha causa. Eu já decidi, não quero mais voltar para Breno. Mas ainda tenho medo dele, preciso de ajuda, tenho medo de morrer". E assim terminamos a conversa, com Gabriela tendo a ajuda necessária e toda a proteção da família, da polícia e da Rede de Enfrentamento à Violência conta a Mulher.

Atualmente, o pai de Gabriela está se recuperando, e ela está se reaproximando deles aos poucos, porque ainda está muito envergonhada de ter magoado os pais. Faz uma semana que ela se separou de Breno, e ele não a procurou, os pais dele disseram que ele está com medo de ser preso.

Amiga, mais uma vez você viu acontecer com Gabriela o que ocorre com muitas mulheres que vivem com homens agressores. Breno afastou Gabriela das amigas, dos pais, de todos. O homem dominador isola a mulher para que ela fique fragilizada emocionalmente, e foi isso o que ocorreu com Gabriela. Veja a importância que teve Silvana, tia de Gabriela. Ela não desistiu da sobrinha, lutou com todas as forças para resgatá-la da dor e do sofrimento que Gabriela estava vivendo. Deu-lhe forças e lhe encorajou a ir a uma delegacia de polícia. Silvana ainda foi com Gabriela fazer o exame traumatológico e a acolheu em sua casa.

Se você estiver passando pelo mesmo problema de Gabriela, procure ajuda. Não se permita ser violentada e humilhada. Peça ajuda a familiares, vizinhos, amigos. Não sofra calada, para não morrer calada. E se você não está passando por esse problema, mas conhece mulheres que sofrem violência doméstica, faça como Silvana. Não veja calada. Resgate essa mulher da dor e do sofrimento. Converse, oriente, vá com ela a uma delegacia de polícia ou a um Centro de Referência. Uma ação conjunta da sociedade com a Rede de Enfrentamento pode evitar que muitas mulheres sejam vitimas de feminicídio. Vamos ajudar a mulher a se fortalecer e dar um basta na violência. Você mulher, não sofra só, não morra só, você é mais forte do que pensa e está na hora de dizer, chega, basta!

VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHA!

EM QUAIS ÓRGÃOS BUSCAR AJUDA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:

» Centro de Referência Clarice Lispector – (81) 3355.3008/ 3009/ 3010
» Centro de Referência da Mulher Maristela Just - (81) 3468-2485
» Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon - 0800.281.2008
» Centro de Referência Maria Purcina Siqueira Souto de Atendimento à Mulher – (81) 3524.9107
» Central de atendimento Cidadã pernambucana 0800.281.8187
» Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal - 180
» Polícia - 190 (se a violência estiver ocorrendo) - 190 MULHER

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