A mulher e a lei

''Não quero que ele seja preso, quero apenas que ele mude''

Por Gleide Ângelo
Por Gleide Ângelo
Publicado em 21/08/2017 às 7:00
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Muitas mulheres fantasiam o homem ideal, o príncipe encantado. Baseada nessa ilusão, começam a não querer enxergar o homem real com quem convivem / Foto: Heudes Régis/JC Imagem

Muitas mulheres fantasiam o homem ideal, o príncipe encantado. Baseada nessa ilusão, começam a não querer enxergar o homem real com quem convivem Foto: Heudes Régis/JC Imagem

No artigo de hoje falarei sobre uma frase que escuto de algumas mulheres que sofrem violência doméstica: "não quero que ele seja preso, quero que ele mude. Por favor, dê um conselho a ele, dê um susto nele". De tanto escutar essa frase, comecei a analisar o porquê de mulheres que foram agredidas não quererem a punição do agressor. E cheguei à minha conclusão.

Muitas mulheres fantasiam o homem ideal, o príncipe encantado. Baseada nessa ilusão, começam a não querer enxergar o homem real com quem convivem. Quando essa mulher é maltratada, ela tem o "sonho" de que ele irá mudar, que um dia ele irá se transformar naquele homem que ela tanto sonhou. Com isso, os anos vão passando, a violência vai aumentando e aquele homem real (agressor) não se transforma no príncipe encantado.

Com isso, os anos vão passando, a violência vai aumentando e aquele homem real (agressor) não se transforma no príncipe encantadoGleide Ângelo

Quando a mulher está sendo agredida e algum vizinho denuncia, os policiais conduzem todos à delegacia. É nesse momento que se instala a grande crise. Há mulheres que estão tão fragilizadas emocionalmente que elas não querem que nenhum mal aconteça ao agressor. Ela não quer que seja aplicada a Lei Maria da Penha e que o agressor seja punido. Tudo o que aquela mulher quer é que o agressor mude, que passe a respeitá-la, amá-la. Como policiais, não temos o poder de mudá-lo, porque ele só muda se quiser. O que podemos e devemos é orientar e conscientizar a mulher dos direitos e da proteção que existe na Rede de Enfrentamento à Violência. E deixar claro que quem tem que mudar é ela, dando o primeiro passo, denunciando.

Júlia implorou para que Renato não fosse preso

Quando olhei para aquela jovem linda aos 25 anos de idade, não entendi o porque de tanta tristeza no olhar. Ela estava acompanhada da mãe, uma jovem senhora que estava protegendo a filha da violência doméstica. Começamos a conversar e Júlia foi narrando a sua história de violência doméstica que iniciou cedo. Ela disse que se relacionou com Renato, que tinha 40 anos por seis meses. Desde o começo o namoro foi conturbado. Mesmo assim, com três meses de relacionamento foram morar juntos. A mãe de Júlia interrompeu, "nunca gostei dele pelo fato de não querer trabalhar. Ele vivia ostentando com o dinheiro da família que era de uma classe média alta. Muito mais velho do que minha filha e possessivo. Mãe não se engana, e desde o começo eu sabia que não iria dar certo".

Quando foram morar juntos, viveram em um prédio de luxo, classe média alta. No primeiro mês, houve a primeira grande briga e quem contou foi a mãe de Júlia, "estava em casa com o meu filho quando Júlia telefonou chorando, dizendo que Renato tinha batido nela. Corri com meu filho para lá, e quando cheguei vi minha filha caída ao chão com o rosto sangrando, um hematoma enorme no olho e chorando muito. Meu filho foi para cima de Renato e deu um murro no rosto dele, o chamando de covarde". Diante dessa situação, eu só tinha uma pergunta a fazer: vocês chamaram a polícia? ligaram para o 190? E Júlia respondeu, "não, eu não deixei eles fazerem isso, implorei para que minha mãe e meu irmão não o denunciasse. Ele não é uma pessoa má, é porque a gente tinha bebido um pouco e ele perdeu a cabeça".

Continuamos a conversa, quando a mãe de Júlia continuou, "ela voltou para casa, mas Renato continuou ligando para ela. E, sem que eu soubesse, minha filha voltou a se encontrar com ele. Eu não quis acreditar nisso, mas foi verdade". Olhei para Júlia e perguntei o porque dela ainda se encontrar com um homem agressor que a espancou, e Júlia respondeu, "porque ele me pediu muitas desculpas, disse que não sabia o que aconteceu e que me amava, então voltei a sair com ele".

Júlia continuou a morar com a mãe, e o irmão se casou e foi morar em outro estado, ficando as duas morando sozinhas. Renato continuou procurando Júlia, e se encontravam de vez em quando. Por muita insistência da mãe, Júlia resolveu se afastar de vez de Renato. Quando ela disse que não queria mais que ele a procurasse, começou o grande pesadelo de Júlia e de sua mãe. Certo dia, elas estavam dormindo, quando por volta das duas horas da madrugada Renato chegou ao prédio em que elas moravam. O porteiro disse que ele não podia entrar. Com muita raiva e agressivo, Renato estava portando uma faca peixeira, ameaçou o porteiro e foi até a garagem que estavam os carros de Júlia e de sua mãe. Ele rasgou os pneus dos dois carros, arranhou os carros e ameaçou o porteiro novamente com a faca, caso ele não o deixasse subir.

Antes de subir, Renato chutou a porta de vidro do prédio, quebrando a porta, destruiu os objetos da entrada do prédio e subiu. O porteiro desesperado ligou para a polícia 190 e ligou para o síndico. Também ligou para a casa de Julia, para que ela não abrisse a porta. Quando chegou ao andar de Júlia, ele começou a gritar e bater na porta, dando golpes de faca na porta. Ela e a mãe se acordaram assustadas com os gritos, mas não abriram a porta. Os policiais chegaram e Renato foi conduzido à delegacia, onde foi autuado em flagrante por diversos crimes cometidos contra Júlia e sua mãe, contra o porteiro e os danos ao condomínio.

Nesse dia, Júlia e a mãe também foram à delegacia, e Júlia relembrou, "naquele dia eu tive muito medo. Se eu tivesse aberto a porta, ele teria me matado. Nunca imaginei que Renato fosse tão violento".

Aproveitei e disse: mas, um mês antes ele lhe espancou, deixou o seu rosto todo deformado. Você sabia sim que ele era violento. Só não entendo, porque você resolveu dar mais uma chance a ele? Júlia abaixou a cabeça, pensou, olhou para mim e disse, "é porque eu sempre sonhei em me casar com um homem mais velho, que cuidasse de mim. Como ele tinha 40 anos, achava que ele iria mudar, que iria me proteger. Mas agora vi que corro risco de morrer perto dele. Já prometi a minha mãe que nunca mais vou querer chegar perto dele. Ela pode ficar tranquila, agora consegui enxergar quem é ele". No final, Júlia e a mãe se abraçaram emocionadas com a certeza de que Renato jamais voltará a perturbar a vida delas.

Hoje, Júlia está trabalhando em uma grande empresa e tem uma Medida Protetiva de Urgência que lhe dá segurança. Mas ela ainda tem um pouco de receio de que Renato apareça na sua frente. Ela anda um pouco assustada, mas está firme na sua decisão. Renato passou quatro meses preso e está solto com uma tornozeleira eletrônica. Desde o dia em que saiu do presídio, Renato não importunou mais Júlia. Ele disse a um amigo que não quer ser preso novamente.

Amigas, analisando a história de Júlia que é igual a de muitas mulheres, voltamos a ver que a violência doméstica / familiar é um ciclo crescente. Se Júlia tivesse denunciado Renato no primeiro espancamento, com certeza não haveria a segunda violência. Observem que com três meses de relacionamento ela foi morar com ele, e um mês depois foi covardemente espancada no rosto. Sempre falo que é importante que a mulher observe o comportamento do homem no início do relacionamento. O homem violento e dominador é perigoso e tem que ser evitado. Por isso, não cometa os erros que Júlia cometeu. Não idealize um Príncipe encantado onde não existe. Enxergue a realidade, sem fantasias.

Observe, analise, conheça o seu companheiro antes de ir conviver com ele. E se ele te agredir, denuncie, não dê a ele a chance de te agredir novamente. Quando você denuncia, você rompe com o ciclo da violência e se protege. Tenha cuidado com relações conflituosas, não se coloque em risco e não seja uma futura vítima de feminicídio. Seja inteligente, quem te ama, não te machuca.

VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHA!

EM QUAIS ÓRGÃOS BUSCAR AJUDA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:

» Centro de Referência Clarice Lispector – (81) 3355.3008/ 3009/ 3010
» Centro de Referência da Mulher Maristela Just - (81) 3468-2485
» Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon - 0800.281.2008
» Centro de Referência Maria Purcina Siqueira Souto de Atendimento à
Mulher – (81) 3524.9107
» Central de atendimento Cidadã pernambucana 0800.281.8187
» Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal - 180
» Polícia - 190 (se a violência estiver ocorrendo) - 190 MULHER

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