A mulher e a lei

"Deveria ter ouvido a minha filha"

Por Gleide Ângelo
Por Gleide Ângelo
Publicado em 03/04/2017 às 6:00
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Drama relatado por Gleide Ângelo, infelizmente, é mais comum do que se pode imaginar / Foto: Diego Nigro/JC Imagem

Drama relatado por Gleide Ângelo, infelizmente, é mais comum do que se pode imaginar Foto: Diego Nigro/JC Imagem

Caros leitores,

No artigo de hoje falarei sobre o assédio sexual que muitas filhas sofrem dentro de casa, mas as mães não querem acreditar. A cada dia aumenta o número de denúncias de adolescentes que são assediadas pelos companheiros de suas mães. A maior parte das vítimas já alertaram as mães sobre o que estava acontecendo, mas as mães simplesmente não acreditaram, dizendo que as filhas estavam criando fantasias.

Um dos casos que mais me chamou a atenção foi o da jovem Carolina (nome fictício) que chegou à delegacia assustada, e acompanhada por uma senhora. Ela relatou que sofre violência sexual desde os 9 anos de idade, e que o agressor era o seu padrasto. No início ela tinha muito medo das ameaças dele e nunca falou para a mãe. Quando completou 12 anos, ela resolveu romper o silêncio e contou tudo para a mãe de uma amiga.

O DRAMA DE CAROLINA

Conversando com Carolina, perguntei se a sua mãe já havia notado o abuso sexual sofrido por ela desde os 9 anos de idade. Ela respondeu, “eu era muito nova e não entendia o que estava acontecendo. Quando aquele homem chegava perto de mim, eu tinha muito medo, pois sabia que ele ia me fazer mal. Quando ele começou a me ameaçar, dizendo que mataria a minha mãe se eu contasse alguma coisa para ela, eu comecei a entender que tinha algo de errado no que ele fazia comigo. Eu tinha muito medo e nunca falei nada para ninguém”.

O tempo foi passando e Carolina ficando cada vez mais introvertida, sem ter muitas amigas e sem querer frequentar a escola. Quando Carolina completou 12 anos, ela foi passar uma noite na casa da melhor amiga que ela tinha na escola. E lá ela teve uma crise de choro e contou tudo para a mãe da amiga.

Carolina se recorda, “quando chequei na casa da minha amiga, vi a família dela perfeita, o pai respeitando a mãe, os irmãos dela todos unidos. Aquilo mexeu muito comigo, eu queria ter uma família igual a da minha amiga, e comecei a chorar. A mãe da minha amiga, Vânia (nome fictício) era psicóloga e foi conversar comigo para saber o que estava me angustiando. Eu me senti tão bem com ela, que resolvi contar tudo o que estava acontecendo comigo. Falei sobre o abuso sexual, sobre as violências que estava passando, eu disse tudo”.

Vânia ficou muito assustada com o que ouviu de Carolina e resolveu conversar com a mãe de Carolina, Dolores (nome fictício). Vânia não permitiu que Carolina retornasse para casa e chamou Dolores para conversar. Sem entender o eu estava ocorrendo, Dolores foi à casa de Vânia, e quando viu Carolina, perguntou o que estava acontecendo. Vânia narrou tudo o que tinha ouvido de Carolina e perguntou se Dolores nunca tinha notado nada de estranho no comportamento de Daniel (nome fictício), padrasto de Carolina.

Depois de ouvir tudo o que Vânia havia falado, Dolores ficou descontrolada e começou a gritar com Carolina a chamando de mentirosa. Com muita mágoa, Carolina relembra, “minha mãe começou a gritar comigo me chamando de mentirosa e dizendo que eu queria desgraçar a vida dela inventando tudo isso. Comecei a chorar dizendo que ela sabia que tudo era verdade. Ela tentou me levar a força para casa, mas Vânia não deixou, disse que eu não voltaria mais para casa, que iria comigo à delegacia para registrar uma ocorrência”.

Com raiva, Dolores foi embora e Vânia levou Carolina até uma delegacia de polícia, onde registrou um Boletim de Ocorrência. Em seguida Carolina foi fazer exames sexológicos que comprovaram todo o abuso que ela sofreu. Daniel foi condenado pelo crime e preso. Durante todo o tempo em que a investigação estava sendo realizada, Carolina ficou morando na casa de Vânia, por meio de uma autorização judicial. Dolores não queria mais aproximação com Carolina, e em todas as audiências disse que Carolina estava mentindo, inventando tudo isso para prejudicar Daniel. Depois que Daniel foi preso, Carolina ainda tentou se reaproximar da mãe, mas não teve êxito. Com muita tristeza, Carolina se recorda, “quando ele foi preso fui à casa da minha mãe para dizer a ela que eu tinha razão, que ele foi condenado porque tinham exames comprovando. E foi muito triste quando minha mãe olhou para mim e disse que a grande desgraça da vida dela foi eu ter nascido. Que desde o dia em que nasci só fiz estragar a vida dela. E que eu tinha colocado o marido dela na cadeia de propósito, só para fazê-la sofrer, que eu era a pior espécie de filha que alguém poderia ter”.

E assim foi a última conversa que Carolina teve com sua mãe. Dolores frequentava a todas as visitas a Daniel no presídio, e depois de 6 anos ele foi solto. Atualmente, Carolina tem 24 anos, se formou em psicologia e ainda reside na casa de Vânia. Dolores sofre constantes agressões de Daniel.

Carolina disse, ”os vizinhos me disseram que minha mãe apanha todos os dias, que diversas vezes os vizinhos chamaram a polícia, mas ela sempre negava ter apanhado dele, e nada acontecia. Gostaria muito de poder ajudar a minha mãe a sair de perto daquele monstro, mas ela não quer. Mas ainda tenho esperança de um dia ajudar a minha mãe a superar toda essa violência e enxergar que o homem que ela acha que ama, não passa de um monstro agressivo e dominador”.

Amigas, o que observamos com história de Carolina é o que ocorre em diversos lares, onde os companheiros das mães abusam sexualmente de suas filhas. Há casos em que as mães notam a mudança de comportamento das filhas, sabem que tem algo de errado, mas preferem não enxergar. O medo de perder o companheiro é tão grande, que elas preferem negar o abuso sofrido por sua filha. E muitas vezes, as mães colocam a culpa nas filhas, dizendo que elas provocam os agressores, por isso eles cometem o abuso. Com isso, a vítima se torna culpada e responsável pelo crime que sofreu.

Se você é mãe e está passando por esse problema em casa, observe, converse com sua filha, preste atenção em tudo o que está acontecendo ao seu redor. Não culpe sua filha pelo abuso que ela sofreu. Lembre-se, sua filha é uma vítima, e você também. Não proteja o agressor, proteja a sua filha de um agressor covarde, o denunciando em uma delegacia de polícia. O lugar da sua filha é ao seu lado. Tome uma atitude agora, e não deixe para amanhã ter o arrependimento e dizer, “deveria ter ouvido a minha filha”. Ouça agora e denuncie agora.

VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHA !!

EM QUAIS ÓRGÃOS BUSCAR AJUDA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:

» Centro de Referência Clarice Lispector – (81) 3355.3008/ 3009/ 3010

» Centro de Referência da Mulher Maristela Just - (81) 3468-2485

» Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon - 0800.281.2008

» Centro de Referência Maria Purcina Siqueira Souto de Atendimento à Mulher – (81) 3524.9107

» Central de atendimento Cidadã pernambucana 0800.281.8187

» Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal - 180

» Polícia - 190 (se a violência estiver ocorrendo)

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