A mulher e a lei

"Se ao menos eu pudesse visitar os meus pais"

Por Gleide Ângelo
Por Gleide Ângelo
Publicado em 20/03/2017 às 6:31
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Gleide Ângelo revela história de duas mulheres que tiveram os mesmos problemas de isolamento da família / Foto: Heudes Régis/ JC Imagem

Gleide Ângelo revela história de duas mulheres que tiveram os mesmos problemas de isolamento da família Foto: Heudes Régis/ JC Imagem

Caros leitores,

No artigo de hoje falarei sobre um problema que muitas mulheres vítimas de violência doméstica sofrem, o isolamento da família. Há homens dominadores que isolam as mulheres da família e dos amigos, tornando-a presas fáceis de sua manipulação e violência. Com a finalidade de mostrar essa triste realidade vivenciada por muitas mulheres, conversei com duas mulheres vítimas de violência doméstica que foram completamente isoladas de suas famílias. O final das duas histórias são completamente diferentes. Uma, que chamarei pelo nome de Júlia, conseguiu se libertar e pediu ajuda aos pais. A outra, cujo nome fictício é Nadir, continua com agressor, isolada da família. O meu encontro com Júlia e Nadir foi para saber sobre o isolamento delas com os pais, em que fase do relacionamento elas observaram a mudança de comportamento do companheiro e a proibição de ver os pais.

O ISOLAMENTO DE JÚLIA

Hoje com 32 anos, Júlia disse que conheceu Leonardo (nome fictício) aos 26 anos. No início a mãe de Júlia já havia observado que havia algo de errado com Leonardo e alertou Júlia, "quando minha mãe falou que não gostava da forma que Leonardo falava comigo, fiquei chateada com minha mãe, achando que ela estava colocando defeitos nele. Eu estava apaixonada e não conseguia enxergar defeitos". Com o tempo, Júlia foi passando muito mais tempo na casa de Leonardo, e se afastando de casa cada vez mais, "só hoje observo que ele me jogava o tempo todo contra os meus pais. Ele dizia que a minha mãe não queria minha felicidade porque ela era infeliz, e tinha inveja de mim. Ele começou a criar os meus pais como meus verdadeiros inimigos, e eu acreditei. Com o tempo, eu já não falava com meus pais, com meus irmão, meus amigos. Eu vivia exclusivamente com ele e com a família dele".

Com o comportamento de Leonardo, Júlia estava completamente dominada e amedrontada. Ela sofria constantes ameaças de Leonardo e não tinha onde buscar ajuda. Júlia entrou em depressão, já não comia, chorava o dia todo, "eu cheguei a pedir para morrer. Eu não aguentava mais tanta dominação, eu não podia mais nem pensar. Até as minhas roupas, era Leonardo quem escolhia. É como se eu tivesse deixado de viver, e ele fosse o dono da minha vida e da minha vontade". Júlia disse que um dia se levantou, olhou no espelho e não se reconheceu, é como se ela não existisse mais, aquela pessoa não era ela.

Nesse momento, ela tomou a coragem de buscar ajuda, "tomei um banho, troquei de roupa e saí escondido. Peguei um ônibus e fui à casa dos meus pais. Chorei muito quando vi minha mãe, pedi perdão por ter sido tão ingrata. Ela me colocou no colo e cuidou de mim. Estou com os meus pais até hoje e estou fazendo tratamento psicológico e me equilibrando".

Perguntei a Júlia se depois disso Leonardo tinha ido procurá-la. Ela respondeu que ele foi diversas vezes atrás dela, pedindo perdão e dizendo que tinha mudado. Mas Júlia hoje chegou a seguinte conclusão, "uma pessoa que quer me afastar das pessoas que mais amo na vida, já demonstra que não quer o meu bem. Os meus pais são sagrados, é o maior bem que tenho na vida e são as pessoas que mais me amam. Tentar me afastar deles só prova que Leonardo queria me fragilizar para me maltratar, como fez". Hoje, vejo Júlia sóbria, equilibrada, segura e decidida a ser feliz.

Enquanto Júlia falava, observei Nadir com os olhos cheios de lágrimas escutar atentamente. Quando Júlia terminou a sua história, eu perguntei a Nadir se poderíamos conhecer a história dela. Ela olhou para mim e disse, "pode sim, só que infelizmente a minha história não tem o final feliz igual a de Júlia".

O ISOLAMENTO DE NADIR

Com o olhar triste, de quem carrega um grande sofrimento na alma, Nadir começou a falar que hoje tem 36 anos e sua família sempre foi bem estruturada, onde morou com seus pais, duas irmãs e um irmão. As irmãs são casadas com homens bons, que as tratam com respeito. E no início, era assim o casamento de Nadir. Ela fala, "quando conheci Guilherme (nome fictício) morava com os meus pais e minhas irmãs ainda não eram casadas. Nossa, era muito bom, nos reuníamos todos os finais de semana, fazíamos churrasco, meu cunhado tocava violão e meus pais participavam de tudo. Guilherme era o homem que qualquer mulher desejava ter, era muito atencioso com minha família". O tempo foi passando e as irmãs de Nadir se casaram, com isso os encontros passaram para as casas das irmãs, sempre com a presença dos pais de Nadir.

Depois de três anos de namoro, Nadir e Guilherme resolveram se casar, e foi uma grande festa. Nadir relembra, "fiquei tão feliz no dia do casamento, pois tinha tudo o que precisava, uma família perfeita e agora um marido maravilhoso". Para a surpresa de Nadir, a mudança de Guilherme foi rápida. Com dois meses de casados, ele já não queria mais participar dos encontros com familiares de Nadir. Ele dizia que agora ela teria que participar dos encontro com os familiares dele, sem a presença de ninguém da família dela.

Nadir estranhou um pouco, "achei um pouco estranho, mas achava que ele tinha razão porque ele sempre frequentou os encontros na casa dos meus pais e das minhas irmãs, e eu nunca participei de nada com a família dele, talvez fosse um momento de retribuir o que ele fez". Com esse pensamento, o tempo foi passando e Nadir foi observando que Guilherme não queria mais frequentar a casa dos familiares dela, e também não deixava ela frequentar. "Já faziam quatro meses que eu não falava com ninguém da minha família. Quando telefonei para minha mãe, ela disse que Guilherme tinha telefonado e justificado que eu estava trabalhando muito, por isso não poderia ir com muita frequência na casa deles". Depois de saber dessa ligação telefônica, Nadir começou a enxergar que Guilherme a estava afastando dos seus pais. Ela perguntou porque ele tinha feito isso e ele respondeu que não queria que ela tivesse mais nenhum tido de contato com os pais.

Nadir ficou muito assustada e disse a ele que iria embora, mas Guilherme a trancou em casa e escondeu as chaves. Nadir relata, "nesse dia descobri que estava grávida, e fiquei em desespero". Quando Guilherme soube que Nadir estava grávida, ele disse que se ela fosse embora, ele tomaria o bebê e ela ficaria sem o filho. Nadir disse que ficou com mais medo, "e Guilherme ainda disse que iria construir uma casa ao lado da casa dos pais dele, e iríamos morar lá. Ainda disse que se eu não fosse, eu iria ficar no meio da rua, sem meu filho". Hoje, a casa que Guilherme está construindo está quase pronta, Nadir está grávida de oito meses e disse que irá morar na casa que Guilherme está construindo ao lado da casa dos pais dele". Perguntei a Nadir pelos pais dela, e ela respondeu, "prefiro que meus pais fiquem longe, tenho medo que Guilherme faça algum mal a mim, ao meu filho e aos meus pais. Mas muitas vezes fico pensando, se ao menos eu pudesse visitar os meu pais".

Amigas, temos duas mulheres que tiverem os mesmos problemas de isolamento da família. O homem agressor, dominador comete diversos tipos de violência psicológica para aterrorizar a mulher. O método que a maior parte deles usam é o isolamento. Sem apoio da família e do amigos, a mulher é uma presa fácil para as ameaças e agressões. Com medo, muitas mulheres se submetem à violência e ficam enfraquecidas, fragilizadas, com medo de falar o que estão sofrendo. Quem poderia apoiar, que seriam os familiares e amigos não ficam sabendo o que está acontecendo, e a mulher vai morrendo aos poucos, sofrendo uma violência covarde.

Podemos observar que as histórias de isolamento de Júlia e Nadir são iguais. Porém, Júlia teve forças e coragem de confiar na família e pedir ajuda. Ela acreditou que seus pais a ajudaria a sair daquele sofrimento. Hoje com a ajuda dos pais e de profissionais competentes, Júlia está superando toda a história de dor. Leonardo sabe que Júlia está amparada e se ele tentar cometer qualquer tipo de violência contra ela, ele será denunciado por Júlia e por seus familiares.

No caso de Nadir, ela não tem forças e coragem de tomar uma atitude, e ficou mais fragilizada por causa da gestação. Ela está grávida de oito meses e vulnerável as ameaças de Guilherme. Os pais de Nadir já disseram que querem cuidar dela e do filho, mas ela acredita nas ameaças de Guilherme, e acha que ele conseguirá tirar o filho dela. É justamente nessa fragilidade que Guilherme se aproveita para ameaçar e amedrontar Nadir.

Mulheres, a ameaça é uma violência psicológica e está prevista na Lei Maria da Penha como crime. Se Nadir denunciar Guilherme, ela terá toda a proteção das medidas protetivas e Guilherme não poderá se aproximar dela. Com isso, ela terá o filho em segurança e poderá ficar protegida na casa dos pais. O descumprimento da medida protetiva pelo agressor pode gerar a prisão preventiva dele ou o uso de tornozeleira eletrônica. O que não pode é Nadir viver aprisionada, ameaçada e isolada dos familiares.

A mulher que está sofrendo violência doméstica tem que denunciar o agressor, pois essa é a única forma dela ter a proteção da Lei Maria da Penha e ter acesso a toda a Rede de Enfrentamento à violência. Se você está sofrendo violência doméstica e sendo isolada dos seus pais, tome a atitude que Júlia tomou, procure ajuda e denuncie. Não permita que o medo te paralise, busque segurança em quem te ama e peça ajuda. O primeiro passo é pedir ajuda e denunciar o agressor.

VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHA !!

EM QUAIS ÓRGÃOS BUSCAR AJUDA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:

» Centro de Referência Clarice Lispector – (81) 3355.3008/ 3009/ 3010

» Centro de Referência da Mulher Maristela Just - (81) 3468-2485

» Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon - 0800.281.2008

» Centro de Referência Maria Purcina Siqueira Souto de Atendimento à Mulher – (81) 3524.9107

» Central de atendimento Cidadã pernambucana 0800.281.8187

» Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal - 180

» Polícia - 190 (se a violência estiver ocorrendo)

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