A mulher e a lei

"Quando fui enxergar, já estava com um tiro no abdômen"

Por Gleide Ângelo
Por Gleide Ângelo
Publicado em 19/12/2016 às 6:12
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Histórias de violência contra as mulheres são muito parecidas, e se iniciam da mesma forma, diz delegada / Foto: Heudes Régis/ JC Imagem

Histórias de violência contra as mulheres são muito parecidas, e se iniciam da mesma forma, diz delegada Foto: Heudes Régis/ JC Imagem

Caros leitores,

No artigo de hoje (19/12) falarei sobre o último e mais grave estágio da violência doméstica/familiar, a morte. Quando conversamos com mulheres que foram vítimas de tentativa de feminicídio, muitas delas dizem que sempre foram violentadas fisicamente e moralmente, mas que nunca imaginaram que seu companheiro fosse capaz de matá-la.

Conversei com três mulheres que não se conhecem e sofreram tentativa de feminicídio. Marli, Luzinete e Helena (nomes fictícios) têm historias semelhantes, as três se casaram ainda jovens, tiveram filhos e começaram a ser violentadas com gritos e humilhações. Passamos a tarde conversando e cada uma contava a sua triste história. Quando Marli começava a falar das agressões que sofreu, no mesmo momento Luzinete e Helena interferiam na conversa para dizer que também passaram pela mesma dor.

Fiquei observando as três conversando e as histórias das três mulheres se completavam, de tão semelhantes que eram. Tudo começou com agressões verbais, onde as mulheres foram humilhadas e ficaram assustadas, com medo dos companheiros. Depois elas foram isoladas dos amigos e dos familiares, só podendo sair de casa com o companheiro. No caso de Luzinete, ela não podia ir à padaria, porque o companheiro dizia que ela estava interessada no padeiro.

Esses são os tipos de acusações que os agressores fazem com suas companheiras para isolá-las do mundo, dizem que elas querem sair para ficar procurando “machos”, que as amigas não servem para elas, que os familiares se metem na vida deles para destruir o relacionamento. Com esse comportamento, os agressores conseguem isolar as mulheres, que ficam acuadas, sem ter com quem dividir a dor, sofrendo sozinhas e desamparadas.

Quando conseguem dominar a mulher, começa o sofrimento. Eles fazem o que querem, chegam em casa a hora que querem, se embriagam, traem, deixam faltar o básico para ela e para os filhos. Sem forças, longe de todos e emocionalmente destruídas, elas se conformam com a situação e começa a fase da negação. Para não admitir que fez uma escolha errada, a mulher se culpa pelas atitudes violentas do companheiro. Ela internaliza que ele age assim porque ela dá causa, porque ela não é compreensiva, não faz os afazeres de casa melhor, não deixa ficar à vontade para chegar a hora que quer.

Com a fase da negação, a mulher não enxerga o agressor e o dominador, pois ela se culpa pelo comportamento dele. Ela entende que quem precisa melhorar é ela, e só assim ele mudará. Com isso, se passam anos e a mulher continua sendo agredida, sofrendo e algumas vezes morrendo. Essa foi a conclusão que Luzinete, Marli e Helena chegaram depois de muitos anos de sofrimento que terminou com cinco disparos de arma de fogo, onde Marli e Helena levaram um tiro no abdômen e Luzinete levou três tiros, todos disparados pelos companheiros.

Hoje, depois de tudo o que passaram, elas refletem e enxergam que nunca souberam que os companheiros tinham arma de fogo. Elas dizem que a negação era tão grande que não enxergavam o óbvio, o que estava a sua frente. Inclusive, Luzinete que levou três tiros disse: “por muitos anos eu ficava me perguntando onde é que eu estava errando, pois fazia tudo e ele só vivia fora de casa, longe de mim. Não queria contrariá-lo e ficava calada, mas mesmo assim ele me agredia, é como se minha presença o incomodasse. E mesmo assim, eu achava que o problema era eu, por isso fiquei vinte anos procurando o meu defeito, até levar três tiros e acordar de vez desse pesadelo. Agora enxergo com clareza que o meu grande defeito foi não ter enxergado o homem violento, frio e dominador que casei”.

Atualmente, Luzinete, Marli e Helena se libertaram dos agressores, depois de ver a morte de perto. E elas aconselham as mulheres, dizendo que não sigam o exemplo delas, que não busquem o defeito em vocês, que enxerguem o seu companheiro de forma real, que não criem personagens que não existem, que simplesmente veja o homem como ele é sem fantasias. E se ele for violento e dominador, se afaste imediatamente, não espere chegar perto da morte para tomar a decisão de se afastar.

Histórias que servem de alerta

Amigas, sei que muitas de vocês estão se identificando com as histórias de Luzinete, Marli e Helena. Infelizmente, as histórias de violência contra as mulheres são muito parecidas, e se iniciam da mesma forma. É muito raro um homem acordar violento e matar uma mulher. Geralmente, ela já vem sofrendo violência psicológica, física, que evolui para a morte. Por isso, siga os conselhos de quem já passou pelo mesmo problema que você está passando. Não se culpe pelo relacionamento desastroso que está vivendo. Tenha sabedoria e discernimento para enxergar os fatos com clareza. Não crie fantasias onde só se cabe a realidade. Enxergue seu companheiro da forma que ele é, veja se ele é violento, se ele te afasta dos amigos, dos familiares, se te humilha e te denigre.

Não permita ser agredida psicologicamente, moralmente e fisicamente.

Ninguém tem o direito de te machucar. Você viveu criando sonhos e expectativas de uma vida feliz, traçou objetivos que foram interrompidos por um homem cruel e violento. Então, a errada não é você, é quem interrompeu teus objetivos. Por isso, afaste o agressor de sua vida e siga sua estrada de sonhos em busca de seus objetivos. Se o agressor continuar lhe importunando, sem aceitar a sua decisão, procure a Delegacia da Mulher e denuncie, peça uma Medida Protetiva de Urgência. Não fique calada, procure amigos, vizinhos e familiares e busque forças para denunciar e superar a dor. Continue sua jornada em busca dos seus objetivos e não entregue sua vida nas mãos de ninguém. Escolha o caminho a seguir, aquele que só você poderá decidir e que te trará felicidades. Siga em frente e seja feliz!

 

VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHA!

EM QUAIS ÓRGÃOS BUSCAR AJUDA:

» Centro de Referência Clarice Lispector – (81) 3355.3008/ 3009/ 3010
» Centro de Referência da Mulher Maristela Just - (81) 3468-2485
» Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon - 0800.281.2008
» Centro de Referência Maria Purcina Siqueira Souto de Atendimento à Mulher – (81) 3524.9107
» Central de atendimento Cidadã pernambucana 0800.281.8187
» Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal - 180
» Polícia - 190 (se a violência estiver ocorrendo)

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