Corrupção

A sociologia por trás do "jeitinho brasileiro"

Thiago Vieira
Thiago Vieira
Publicado em 09/12/2015 às 14:26
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Roberto DaMatta é um dos principais pensadores do "jeitinho brasileiro" / Foto: reprodução/ Youtube

Roberto DaMatta é um dos principais pensadores do "jeitinho brasileiro" Foto: reprodução/ Youtube

Quase que como uma marca, o "jeitinho brasileiro" faz parte da identidade nacional. O senso comum diz que o brasileiro é acostumado a ter uma saída e um modo fácil de resolver qualquer coisa em benefício próprio, mesmo que, para isso, seja necessário algum pequeno ato de corrupção.

Essa cultura atravessa várias esferas hierárquicas da sociedade, desde pegar a resposta do colega durante a prova da escola até o desvio de dinheiro público. A corrupção no País é histórica e é mote de vários estudos nas áreas da sociologia e da antropologia.

Nesse campo, são discutidas as peculiaridades e a origem deste comportamento. O antropólogo Roberto DaMatta destaca que o "jeitinho" pode ser atribuído de forma positiva quando relacionada a relações interpessoais do brasileiro, mas como negativa no âmbito institucional e na maneira peculiar de lidar com as leis.

"Quando o jeitinho é contextualizado no âmbito das relações interpessoais sua interpretação é, via de regra, positiva. Quando ele surte nas discussões sobre nossas instituições sua qualificação é negativa", disse Roberto no prefácio do Livro O jeitinho brasileiro: a arte de ser mais igual que os outros, de Lívia Barbosa. 

Embora essa malandragem e desejo inato de burlar as regras sejam atribuídas ao DNA do brasileiro, o pesquisador de pós-doutorado do Departamento de Sociologia da UFPE, Marcos de Araújo Silva, define este pensamento como preconceituoso e observa o mesmo comportamento em outros países.

"O desejo de burlar as leis não é um privilégio do brasileiro. Na Espanha, por exemplo, existe a cultura do 'pelotazo', em que as pessoas procuram flexibilizar as leis em benefício próprio", disse o pesquisador.

Marcos disse ainda que o sentimento de impunidade e a hierarquização social são outros fatores que contribuem para o desejo de corrupção. Ele também destaca perceber uma certa valorização àquele que consegue driblar as normas.

"Quando alguém percebe que as leis não são cumpridas em determinadas camadas sociais, surge um sentimento de que ele também pode realizar tais atos. Percebo em muitos jovens da periferia da Região Metropolitana do Recife o sentimento positivo quanto à corrupção, em que aqueles que aproveitam oportunidades para benefícios individuais são 'espertos'".

De modo consensual, os estudos acadêmicos trazem o problema do "jeitinho brasileiro" em uma perspectiva de herança histórica. Zuleica Dantas, socióloga da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) reforça que o desenvolvimento da democracia irá criar a cultura de uma prática de direitos e deveres igualitários a todos.

"A democracia ainda é muito recente no Brasil e as pessoas ainda não estão culturalmente acostumadas que a lei seja cumprida da mesma forma em todas as camadas da sociedade", disse Zuleica.

Zé Carioca é a representação do estereótipo brasileiro na Disney

Zé Carioca é a representação do estereótipo brasileiro na DisneyFoto: divulgação

Fora do âmbito acadêmico, o estereótipo do brasileiro malandro e esperto é consolidado em diverso segmentos artísticos, desde o famoso Agostinho, personagem interpretado por Pedro Cardoso no seriado A Grande Família, ao Zé Carioca da Disney, papagaio que, para Walt Disney, seria a representação do brasileiro. 

Em ambos os casos, os pequenos atos de corrupção são atenuados e disfarçados de esperteza e flexibilidade diante de normas sociais, gerando um tom de comicidade que, por vezes, pode incentivar a glamourização de obter vantagem em cima do outro.

Não há no Brasil algo inato que lhe dê o desejo de burlar as leis. Existe, na verdade, uma construção histórica e conjuntural, aliados ao sentimento de impunidade que reflete nos pequenos atos do cidadão. O brasileiro tem o desafio de afastar de si o estigma.

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