Polêmica

Homens gays sexualmente ativos não podem doar sangue no Brasil

Mayra Cavalcanti
Mayra Cavalcanti
Publicado em 25/11/2015 às 16:15
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A determinação é feita através de uma portaria do Ministério da Saúde / Foto: Hélia Scheppa/Acervo JC Imagem

A determinação é feita através de uma portaria do Ministério da Saúde Foto: Hélia Scheppa/Acervo JC Imagem

O item IV do artigo 64 da portaria do Ministério da Saúde, que define o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos, pode não significar muita coisa para algumas pessoas. Mas para o estudante de jornalismo Júlio Cirne, de 24 anos, foi determinante para descartá-lo como doador de sangue. Homossexual e com parceiro fixo (à época em que tentou doar), o estudante não pôde ajudar outra pessoa com seu sangue.

Isso porque, no Brasil, homens que fizeram sexo com outros homens são considerados inaptos para a doação de sangue por 12 meses. Ou seja, caso Júlio (ou qualquer homem homossexual) quisesse ser doador, precisaria passar um ano sem ter relações sexuais (mesmo que com um parceiro fixo e proteção). O que a portaria determina gera polêmica e discussão entre os grupos de proteção aos direitos LGBT. 

"Faz um ano que tentei doar sangue para a tia de uma amiga. Quando cheguei lá fiz os exames, mas quando me perguntaram sobre parceiros sexuais, relatei que era homossexual", conta Júlio. De acordo com ele, a assistente social explicou o que determina o Ministério da Saúde. "Eu perguntei se havia algum embasamento científico e achei um absurdo. Uma coisa muito anos 80", declarou.


O médico pneumologista Gaspar de Hollanda de Siqueira Campos, que trabalha no banco de sangue público de Pernambuco (Hemope), defende que a proibição de gays doarem sangue é baseada em dados epidemiológicos, por isso eles estão na situação de risco acrescido para doação de sangue (como quem fez tatuagem há um ano, por exemplo). "As estatísticas do Ministério da Saúde mostram que a maior incidência de aids, hepatite e outras DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis) ainda está entre o grupo de homossexuais. Quando esse índice de contaminação se igualar com os heterossexuais, essa regra poderá ser revista", defende o médico.

Segundo ele - que defendeu uma tese sobre o assunto no curso de direito que concluiu em 2003 -, a decisão é baseada em aspectos técnicos. "Não existe exame 100% seguro que vá detectar a aids antes de um ano e a hepatite antes de seis meses", esclarece, alertando para o que a medicina chama de "janela imunológica". "Você acha que a gente ia deixar de querer um sangue por capricho ou discriminação? A gente precisa dos doadores para manter o Hemope funcionando, sem os doadores fecharíamos as portas, mas precisamos resguardar a vida, acima de tudo", concluiu o médico.

Para o militante dos direitos humanos Rafael Negrão, no entanto, a determinação do Ministério da Saúde representa um retrocesso. "Se um hetero ou homossexual doarem sangue, aquele material coletado não será analisado e testado? Por que a proibição? Para mim, é uma forma de discriminação. Infelizmente a aids ainda é associada à questão LGBT pela sociedade", acredita. 

A estudante Maria Gabriella Serrano, de 18 anos, diz que não se incomodaria em receber sangue de um homossexual. "A pessoa tem que ser sincera e dizer se tem ou não alguma doença, mas isto não tem a ver com ser homossexual". Cássio Vieira, de 24 anos, compartilha da mesma ideia: "Desde que o sangue esteja em boas condições, como o de qualquer pessoa, não vejo problema algum na doação por homossexuais."

Por meio de uma nota, o Ministério da Saúde se pronunciou sobre o assunto:

A Portaria nº 2712/2013 estabelece critérios de aptidão para a doação de sangue baseados, sempre, no perfil epidemiológico dos grupos e situações, constatando aumento do risco de infecção em determinadas circunstâncias. Homens que fizeram sexo com outros homens são considerados inaptos para a doação de sangue por 12 meses e não de forma definitiva. Esse critério de inaptidão temporária para doação de sangue para este grupo está fundamentado em dados epidemiológicos presentes na literatura médica e científica nacional e internacional. 

Na maior parte dos países da Europa, assim como nos Estados Unidos, homens que tiveram relações sexuais com outros homens são considerados inaptos permanentes para doar sangue. No Canadá, por exemplo, a janela imunológica é de cinco anos, e na Austrália é de 12 meses. A janela imunológica é o período em que o vírus pode ficar incubado no organismo. Como cada pessoa tem uma reação imunológica diferente, é preciso trabalhar com o maior prazo de segurança possível para a pessoa que vai receber o sangue doado.

QUEM NÃO PODE DOAR - Pesssoas que realizaram recente cirurgias e exames invasivos, vacinação recente, ingestão de determinados medicamentos, tatuagens nos últimos 12 meses, histórico recente de algumas infecções, práticas variadas que deixem o candidato vulnerável a adquirir determinadas infecções, viagens a locais onde há alta incidência de doenças que tenham impacto transfusional. No momento da doação, se o candidato apresentar sintomas físicos e temperatura alterada. 

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