Assaltos a bancos

Profissão de risco: bancários enfrentam rotina perigosa

Malu Silveira
Malu Silveira
Publicado em 04/11/2015 às 16:44
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Oito bancários se afastaram este ano do serviço devido a trauma após assaltos nas agências em Pernambuco. Outros três se aposentaram pelo mesmo motivo / Foto: Alexandre Gondim / JC Imagem

Oito bancários se afastaram este ano do serviço devido a trauma após assaltos nas agências em Pernambuco. Outros três se aposentaram pelo mesmo motivo Foto: Alexandre Gondim / JC Imagem

“Toda vez que a gente entra na agência, se benze e reza para que não aconteça nada. Tem que entregar a Deus porque deixar de trabalhar a gente não pode", conta, assustada, Patrícia Xavier, 51 anos. Funcionária do Banco do Brasil (BB), a bancária já passou por 13 assaltos ao longo dos quase 30 anos de serviço. É até difícil perder as contas em casos como esses já que a situação marca negativamente esses trabalhadores, que lidam constantemente com a tensão e angústia de uma próxima investida dos assaltantes. Muitos terminam se ausentando do trabalho, outros precisam de acompanhamento psicológico, alguns mudam de área e tem até quem decida se aposentar antes do tempo. Só para ter uma ideia, o Sindicato dos Bancários de Pernambuco registrou este ano oito afastamentos de funcionários devido a trauma após roubos nas agências. Outros três bancários se aposentaram pelo mesmo motivo.

“Qualquer barulho hoje em dia na agência os funcionários já se assustam. Se uma pessoa fala mais alto, ficamos tensos. Se uma lata de lixo cai no chão, a gente já sai correndo. Você fica revivendo a situação, sonha com isso. Até no meio da rua, se alguém dá um grito, eu já me assusto. Termina que você não fica só prejudicado na vida profissional. Você leva muita coisa para a vida pessoal também. Eu sou mãe de dois filhos e sempre me pergunto o que vai ser deles se algo acontecer comigo”, lamenta Patrícia, que trabalha no setor de caixas de atendimento.


Nas contas da bancária, foram dez assaltos enquanto era funcionária do BB do Espinheiro; uma investida na unidade de Casa Forte e as duas últimas, no ponto da Avenida Norte, todos na Zona Norte da capital pernambucana. “No último assalto (em janeiro deste ano), foram nove tiros. Foi tiro para tudo que é lado.  O assalto dura pouco tempo, de cinco a dez minutos, mas, para nós, são cinco a dez minutos que mais parecem uma eternidade”, relembra. Por causa da agressividade do último roubo, a bancária precisou passar por acompanhamento psicológico assegurado pela empresa. “Fiz quinze sessões de terapia que o banco separou para a gente. Mas não resolve o problema. Ajuda nos primeiros momentos, mas depois continua”, conta Patrícia.

Enquanto para Patrícia o trabalho e a angústia continuam andando juntos, para o bancário Valdísio Paes, 55 anos, a tormenta acabou. Também funcionário do Banco do Brasil, Valdísio decidiu se aposentar em fevereiro deste ano após assalto violento na agência em que trabalhava, no bairro do Espinheiro. Mas vale ressaltar que não foi por vontade própria, já que ele pretendia trabalhar por mais alguns anos. Porém, após o peso do trauma de seis investidas que presenciou, entre assaltos e investidas, decidiu parar após mais de 30 anos de trabalho.  “Os outros (assaltos) eu consegui passar normalmente, mas esse último no Espinheiro foi bem mais traumático. Eles entraram logo no início do expediente, fizeram uma funcionária refém e me levaram para o cofre. Ao mostrar indecisão na hora de abri-lo, um deles me deu uma coronhada. Eu consegui desviar, mas logo depois me agrediram no ombro. Tudo com a arma em punho. Então eu resolvi parar por ali. Para mim era um aviso, fiquei pensando que, da próxima vez, eu poderia levar um tiro. Fiquei assustado e decidi me aposentar antes do tempo”, lembra o aposentado.

Apesar de sentir falta da rotina atarefada, Valdísio se considera aliviado. “Eu vivia muito tenso, preocupado. Ficava estressado com o movimento do banco porque a gente queria prestar o serviço da melhor maneira possível. Mas a qualidade de vida era horrível. Depois de tudo que passei, agora estou tranquilo, sossegado. Sinto que tirei um peso grande”, desabafa. O bancário ainda passou 15 dias afastado após o assalto e, mesmo não solicitando o acompanhamento psicológico, preferiu não seguir na profissão. “No começo, eu nem queria me afastar porque estava me sentindo bem. Mas aí passei a refletir sobre a situação e vi que estava me expondo demais. Aquela bala poderia ter me atingido. Então decidi cuidar da minha vida”, conta Valdísio, casado e pai de dois filhos.

Com Thiago Tomaz, 39 anos, a situação era um pouco diferente, porém não menos delicada. O bancário trabalhou por 12 anos para o Bradesco – sete deles em Posto Avançado de Atendimento (PAA). As unidades funcionavam em pequenas localidades em cidades do Interior do Nordeste, nas quais o bancário atua sozinho, no cargo de gerente. A insegurança com os assaltos vivenciados pelo bancário, que trabalhou por seis anos no município de Cubati, na Paraíba, e dois anos em Tracunhaém, na Zona da Mata pernambucana, e outros fatores estressantes levaram o bancário a ser desligado da empresa. “Era um abandono de todo tipo de segurança, falta de estrutura na cidade, o banco não dá nenhuma ajuda de custo. Para piorar, não havia vigilância nem câmeras de segurança nesses postos, nem muito menos porta giratória. A pessoa fica com muito medo”, relata Thiago, que decidiu abrir seu próprio negócio e respira aliviado: “Hoje eu estou muito tranquilo. Eu me sentia mal quando chegava o domingo por saber que estava indo trabalhar no outro dia em um ambiente horrível. A qualidade de vida era zero, agora melhorou e muito”.

Segundo a psicóloga Catarina Petribú, a principal recomendação é procurar acompanhamento médico e psicológico assim que os sintomas surgirem

Segundo a psicóloga Catarina Petribú, a principal recomendação é procurar acompanhamento médico e psicológico assim que os sintomas surgirem Foto: arquivo pessoal

TRAUMA - Quando uma pessoa passa por uma situação de risco ou até mesmo presencia fato semelhante acontecer com outro indivíduo, é comum desenvolver uma série de sintomas físicos e emocionais decorrentes do sofrimento causado pela exposição. O alerta dos especialistas, no entanto, é quando o quadro passa de um período de 30 dias – aí o diagnóstico pode ser apontado como Transtorno do estresse pós-traumático (TEPT). “Uma situação de violência onde a sua vida tenha sido colocada em risco, é comum enfrentar um período de estresse, apresentando alguns sinais de sofrimento psíquico. Porém é preciso estar atento ao surgimento de alguns sinais que podem sugerir que o fato desencadeie o TEPT, que é um quadro psiquiátrico crônico e se caracteriza por ter havido um desencandeante ambiental. Quando os sintomas persistirem por mais de 30 dias, é necessário ir a um médico psiquiatra, pois o tratamento na maioria das vezes é com medicação e psicoterapia", explica a psicóloga Catarina Petribú, especialista em terapia cognitivo-comportamental (TCC).

Quando diagnosticado pelo psiquiatra com o transtorno, o paciente deve iniciar o tratamento o mais rápido possível. Quanto maior a demora em começar o acompanhamento médico e psicológico adequado, mais agravados ficam os sintomas. “No Brasil é muito comum o TEPT devido à violência constante. Nós, inclusive, falamos com os nossos pacientes que o importante é prevenir, não deixar que o transtorno se instale”, alerta. Segundo a especialista, além das consultas psiquiátricas, é essencial a psicoterapia. “A medicação passada pelo psiquiatra neste momento vai ajudar na insônia, na irritabilidade e demais sintomas também presentes na depressão. Mas é na psicoterapia que o paciente vai encontrar a ajuda profissional para enfrentar o medo e ir voltando aos poucos a suas atividades”, explica a psicóloga.




Psicólogo atuante no Libertas Consultoria, Treinamento e Clínica-Escola, organização voltada para a psicologia aplicada às áreas clínica, educacional, organizacional e social, Jayme Panerai utiliza a TRE (Trauma Release Exercise – sigla em inglês para Exercícios de Liberação do Trauma) para tratar os pacientes diagnosticados com o transtorno. “A TRE trabalha a análise corporal do paciente, trazendo a possibilidade de liberação do que ficou bloqueado no corpo pela contração no momento do trauma. Esse trabalho dos exercícios de liberação de forma corporal pode desativar do sistema límbico o gatilho ativado pelo trauma”, defende.

 

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