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Mais vulneráveis, mulheres não costumam denunciar casos de abuso nos coletivos

Malu Silveira
Malu Silveira
Publicado em 13/10/2015 às 17:30
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Estudante de 21 anos foi arrastada de ônibus e espancada na BR-101 na tarde dessa segunda-feira  / Foto: Reprodução / TV Jornal

Estudante de 21 anos foi arrastada de ônibus e espancada na BR-101 na tarde dessa segunda-feira Foto: Reprodução / TV Jornal

Quando a estudante Maiara Xavier, de 21 anos, entrou no ônibus da linha TI Macaxeira/TI Tancredo Neves no final da tarde dessa segunda-feira (12), feriado de Nossa Senhora Aparecida, nem imaginava que, por questão de minutos, teria que lutar pela vida. Segundo relato da jovem à reportagem do NE10, um homem subiu pela porta de trás do coletivo na BR-101, no Jiquiá e, ao pedir parada próximo à Ceasa (Centro de Abastecimento de Pernambuco), no Curado, Zona Oeste do Recife, puxou a estudante pelo braço. Maiara precisou se segurar às barras do desembarque para não ser levada pelo agressor. Se a violência fosse silenciosa, como acontece na maioria das vezes, com toques ou até mesmo a comum "encoxada", talvez o caso de Maiara não tivesse tanta repercussão. Um drama enfrentado por muitas mulheres que usam constantemente o transporte público.

“Ele entrou visivelmente alterado no ônibus e ficava andando sem parar, muito próximo a mim. Quando o motorista parou o ônibus, ele tentou me puxar. Agora tenho quase certeza que ele queria fazer algo contra mim, porque minha bolsa estava no colo. Ele podia ter dado um bote nela e ter corrido. Na hora todo mundo achou que era briga de casal, mas quando eu comecei a medir forças por ele e gritar por socorro, as pessoas foram para cima e ele fugiu em direção ao matagal”, conta.

O dano nesse momento poderia ter sido apenas material. A tela do celular da estudante quebrou durante a luta corporal com o homem, mas o que pesa são as marcas físicas – hematomas, fratura na mão e dores pelo corpo - e emocionais. Essas, roubo nenhum supera. “Eu tenho muitos conhecidos que já passaram por situações de abuso dentro de ônibus, mas comigo nunca tinha acontecido nada semelhante. Foi tudo muito rápido, não deu nem para pensar direito. Na hora senti muito medo e só conseguia pensar que se não me segurasse naquele ônibus, iria perder minha vida”, relembra. Maiara, que seguia para o Terminal Integrado Tancredo Neves, onde tomaria outro coletivo em direção ao Parque Dona Lindu, na Zona Sul do Recife, fez um boletim de ocorrência na Delegacia da Várzea.  

Casos menos graves que o da estudante, porém não menos alarmantes, acontecem todos os dias dentro dos coletivos. O pior é que essas situações são tão constrangedoras que, muitas vezes, as vítimas preferem esquecer o ocorrido ao invés de denunciar às autoridades. Foi como aconteceu com a administradora Joana Ferreira*, de 25 anos. Ao voltar para casa, no bairro de Arthur Lundgren 2, em Paulista, Grande Recife, por volta das 20h, em um ônibus que circulava pela PE-15, Joana teve que engolir a vergonha de passar pela já conhecida "encoxada". O suspeito? Um homem de aproximadamente 40 anos. “Eu estava sentada, quando ele parou perto de mim e começou a esfregar as partes íntimas no meu ombro. Quando o ônibus passava por alguma curva, ele se aproveitava ainda mais. Aquela situação foi de tanto nojo que eu nem consegui reagir, até porque nunca tinha acontecido comigo. A minha reação foi levantar e desembarcar do ônibus. Só queria chegar em casa, tomar um banho e esquecer aquele dia. E fico imaginando: e se isso acontecesse com a esposa dele, uma irmã dele ou até uma filha?”, lamenta. Desde então, a administradora, que já não costuma andar de ônibus, evita alguma situações em coletivos. “Nunca tinha ouvido falar de casos parecidos. Nenhuma conhecida tinha relatado abuso do tipo. Desde então, eu evito andar de ônibus, ou pego algum coletivo em horário mais cedo, sempre me sento perto de mulheres”, conta.

A professora Fabiana Menezes*, 27, é mais uma que sofreu com os abusos e violência nos coletivos. Já foi furtada, precisou sair de um coletivo às pressas ao presenciar um assalto e teve que lidar com os abusos constantes cometidos contra as mulheres nos ônibus. “Nesse dia o ônibus estava tão cheio que eu não consegui nem passar pela catraca. Um homem chegou perto de mim e começou a me encoxar e eu senti a ereção dele. Na hora, eu não sabia se era proposital ou não. O pior é que o ônibus estava tão lotado que eu nem conseguia me movimentar para sair de perto. Aí comecei a me mexer, ele percebeu, saiu de perto e desceu do ônibus. Eu até pensei em reagir, mas na hora travei”, lembra.

Apesar de o episódio ter durado poucos minutos, a sensação de insegurança segue em todos os deslocamentos. “Não deixo de andar de ônibus porque deixar de trabalhar a gente não pode. O que eu pude fazer no momento, fiz. Me sinto totalmente desprotegida. Não vejo nenhuma política efetiva e também não sou a favor de ter áreas separadas para as mulheres dentro dos coletivos. O princípio de tudo é se trabalhar com respeito. As pessoas precisam respeitar umas as outras, é uma questão de base. Infelizmente, a questão do descaso com o transporte público contribui para que essas pessoas ruins se aproveitem da situação. A gente não está livre em horário nenhum. Eu já ando assustada em ônibus, qualquer atitude suspeita eu já corro. Eu sou tão assustada com essas coisas que prefiro nem pagar para ver. Ninguém quer usar o transporte público mais”, reclama a educadora.

Apesar de tratarmos esses tipos de ocorrência como abuso sexual, a ação é classificada tecnicamente pela polícia como importunação ofensiva ao pudor, uma contravenção penal presente no art. 61 da Lei das Contravenções Penais. “A forma como as pessoas usam popularmente o delito não é a forma correta. Até existe o termo abuso, mas em outros casos específicos”, explica Marta Rosana, assessora do Departamento de Polícia da Mulher (Dpmul) de Pernambuco. É enquadrada nessa contravenção qualquer pessoa que venha a importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor. A pena? Multa.

O NE10 questionou o Dpmul sobre estatísticas de casos, como os relatados na reportagem, que pudessem vir a se enquadrar na contravenção, mas esbarrou na falta de registros de ocorrências. “É muito difícil o registro, porque a maioria ou totalidade das mulheres não registra. É diferente de uma lesão corporal ou outro crime. Na verdade, esse tipo de delito deve ser subnotificado devido à forma que acontece. É muito comum, mas não existe notificação”, explica.

Diante do cenário, a polícia alerta para a forma como as vítimas agem ao passar por esse tipo de situação. “A forma mais eficaz de tentar evitar é, no momento do abuso, rechaçar de todas as maneiras. Reclamar, pedir a ajudar de outras pessoas. Parte muito de empoderar a mulher a denunciar naquele momento ou fazer alguma intervenção junto a outras pessoas para capturar o suspeito no ato, porque senão fica muito difícil (a investigação da ocorrência)”, defende a assessora do Dpmul.  

* O NE10 utilizou nomes fictícios para preservar a identidade das vítimas 

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